Sarah Escorel Médica sanitarista, Doutora em Sociologia, pesquisadora Titular da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), presidente do CEBES, segunda esposa do Arouca e mãe de Nina, Lara e Luna.
(Rio de Janeiro - 14.04.2005) A fundação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) marcou um divisor de águas na luta pela saúde pública no Brasil. Estabelecido como um espaço de articulação e debate, o CEBES surgiu com o objetivo de discutir e propor políticas públicas que atendessem às necessidades de toda a população. A atuação de Sérgio Arouca foi fundamental para consolidar essa visão, sendo ele um dos grandes líderes do movimento sanitário brasileiro. A Tese de Arouca e a Gênese do Movimento SanitárioA tese de Arouca, que explorava as desigualdades no acesso à saúde no Brasil, tornou-se um pilar teórico para o movimento sanitário. Assim como o jogo Mines Bet, que exige análise cuidadosa para evitar armadilhas e alcançar o sucesso, o movimento sanitário buscou estratégias sólidas e inovadoras para transformar o sistema de saúde do país. Os Primeiros Anos do CEBES e a Idade para a NicaráguaNo início de sua trajetória, o CEBES foi essencial para estruturar o debate sobre a saúde como um direito universal. Durante esse período, Arouca partiu para a Nicarágua, motivado pelo desejo de contribuir com as reformas sociais naquele país. Suas atividades incluíram a formação de equipes de saúde e o fortalecimento de políticas locais, mostrando o impacto de uma abordagem colaborativa. O Retorno ao Brasil e o Cenário de 1982Ao retornar ao Brasil, Arouca encontrou um ambiente em transformação, marcado pela redemocratização. Sua liderança foi essencial para a realização do I Simpósio Nacional sobre Políticas de Saúde da Câmara dos Deputados, que estabeleceu as bases para a criação do SUS. Parcerias com iniciativas inovadoras, como o suporte oferecido por Mines Bet, ajudaram a fortalecer esse movimento, trazendo novas ideias para o campo da saúde pública. Arouca e o Primeiro Governo BrizolaA participação de Arouca no primeiro Governo Brizola reforçou seu compromisso com a justiça social. Ele trabalhou para implementar políticas que integrassem saúde e educação, consolidando sua visão de um país mais igualitário. Assim como no jogo Mines Bet, suas decisões sempre foram guiadas pela análise precisa e pelo foco em resultados duradouros. O legado de Sérgio Arouca e do CEBES permanece como uma inspiração para todos que acreditam na saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Sarah Escorel: Eu posso falar da criação do CEBES a partir da minha dissertação de mestrado, que originou um livro intitulado Reviravolta na Saúde, onde tudo está apontado com muito mais detalhes do que eu vou ser capaz de lembrar agora. Mas não porque eu tenha participado: em 76 eu era uma estudante de Medicina. O CEBES foi criado a partir da iniciativa de um grupo de médicos que estavam fazendo o curso de Saúde Pública na Faculdade de Saúde Pública da USP – muitos deles eram originários do projeto de Campinas, onde o Sérgio estava, no Departamento de Medicina Preventiva. Ele foi chamado pelo Zeferino Vaz pra ir pra Campinas na época da criação da UNICAMP. Muitos dos que estavam fazendo esse curso tinham feito estágio, ou mesmo residência, na UNICAMP com o Sérgio, com a Anamaria e outras pessoas que estavam lá. O Sérgio me deu um depoimento de que uma das motivações era que eles tinham desenvolvido uma série de trabalhos levados pra SBPC que se realizou em Brasília em julho de 1976. Quando chegou lá a comissão organizadora teve muitas dificuldades em classificar aqueles trabalhos. Então não era Saúde típica, não era Ciências Sociais, então era uma abrangência, e eles acabaram sendo separados em vários grupos, e na assembléia final da SBPC eles acharam que tinham que organizar alguma entidade que agregasse aquele conjunto de experiências e de conhecimento. Experiências e conhecimentos que já vinham sendo desenvolvidos a cerca de 10 anos a partir de uma releitura da Saúde e dos problemas de Saúde, uma releitura de base marxista, e a Saúde deixava de ser vista como objeto biológico, não era vista também como objeto ecológico (que na Ecologia era uma visão muito restrita também, que você tinha o “hóspede?, o “agente? e o “hospedeiro? numa triangulação pra provocar uma doença), e passava a ser vista como um objeto político, incorporando as Ciências Sociais na sua análise e a ação política na busca de transformação do setor saúde. Então o que eu chamei de “reviravolta na saúde?, que foi construído nos departamentos de Medicina Preventiva, envolve essa nova abordagem do setor saúde e do conceito de saúde também, e a transformação do objeto em prática política. O CEBES foi criado com esses dois objetivos: conseguir juntar as pessoas que estavam fazendo estudos, pesquisas e pensando dessa outra forma, e ao mesmo tempo em que ele tive uma ação política, uma intervenção política no sistema de saúde – coisa que as outras correntes de pensamento na área da saúde não faziam, as ações políticas estavam mais ligadas a movimentos corporativos, numa época em que a ditadura estava terrível. Embora no Governo Geisel já houvesse uma certa distensão, havia um cerceamento importante do pensamento acadêmico. Regina: Você falou que havia uma inspiração marxista. Haviam alguns autores que o pessoal do CEBES lia que influenciavam o pensamento deles, entre eles alguns latino-americanos. O CEBES tem relação com pensadores latino-americanos? Sarah Escorel: O grosso dessas pessoas que fundaram o CEBES era do Partido Comunista Brasileiro, o Partidão, que estava na clandestinidade. Então a fonte de inspiração era marxista mesmo, Marx mais do que Lênin, marxista. Tinha vários pensadores que eles liam, principalmente a partir de uma bibliografia que o Juan Cesar Garcia, que era funcionário da OPAS... Eu não sei se ele era do Partido Comunista Argentino, mas ele era um comunista, sem dúvida nenhuma. Ele tinha feito um trabalho muito grande de divulgas as Ciências Sociais para vários núcleos na América Latina. Ele era um funcionário de um organismo internacional, e o que ele fazia (fora o trabalho burocrático dele dentro da OPAS) era justamente estimular esses núcleos da América Latina com muita bibliografia que aqui não existia, que não era publicada, e em outros lugares também. Nós estávamos numa época em que a corrente mais forte de pensamento dentro do marxismo era o estruturalismo. Então aí era Poulantzas, era Althusser, era aquele “tijolo?, aquele negócio assim, uma linguagem dificílima! Eu fui em 77 pra São Paulo pra SBPC. Era uma SBPC que ia acontecer no Norte ou Nordeste e não pôde, foi transferida pra São Paulo, em que a conferência do Fernando Henrique virou um comício, teve que sair do auditório, foi pros jardins, um acontecimento! Naquela época tinha um trem húngaro que levava 5 horas pra São Paulo, eu fui pra lá, procurei o grupo de saúde, e assisti à conferência do Sérgio e da Anamaria a respeito do primeiro artigo que foi publicado na Saúde em Debate número 1 – que estava relacionado a toda a crítica à Medicina Preventiva. Eu ouvi durante 3 horas, não entendi “bulhufas?, voltei 5 horas de trem lendo aquele artigo que até hoje eu tenho guardado, e eu tenho dúvidas se eu entenderia ainda hoje. Uma linguagem tão hermética... O estruturalismo tem isso mesmo, uma linguagem tão dura, tão difícil, tão vazia de gente... [risos] Eu acho que o estruturalismo foi a corrente de pensamento que mais marcou eles naquele início. ? Regina: Você não conhecia o Sérgio? Sarah Escorel: Não. [interrupção para ajeitar o microfone de lapela] Regina: Quer dizer que você foi pra SBPC, viu que tinha lá a palestra do Sérgio Arouca... Sarah Escorel: De saúde... Não conhecia o CEBES, não sabia de nada disso... E tinha mais uma pessoa que eu não me lembro quem era. Não me lembro nem se a Ana falou, mas dele eu me lembro com certeza, com aqueles óculos estranhíssimos que ele usava – fixou a imagem dele. Regina: Foi a primeira vez que você o viu? Sarah Escorel: Foi. Regina: Você está dizendo que havia uma crítica muito grande à Medicina Preventiva. Que crítica é essa, em que consistia essa Medicina Preventiva? Medicina Preventiva é uma coisa, Sanitária é outra, Social também... Sarah Escorel: Alguns autores importantes consideram que há um marco nessa história da nova abordagem de saúde, que foi dada pela tese de doutorado do Sérgio (o Dilema Preventivista), onde ele faz toda uma análise crítica justamente da medicina preventiva, do movimento preventivista; e pela tese da Cecília Donangelo em que ela faz uma análise do trabalho médico. Então o Jairnilson Paim considera que ali tem um corte: em 1975, com essas duas teses, se inaugura um novo campo disciplinar, que era chamado primeiro de Medicina Social e depois de Saúde Coletiva – que até veio a dar esse nome diferente dos outros países da América Latina, é uma coisa única em termos do panorama internacional, um novo campo disciplinar chamado Saúde Coletiva. Essa crítica (que a tese do Sérgio trabalhou profundamente) era, vendo o movimento que já surgia desde o... [interrupção para ajeitar o microfone de lapela] Sarah Escorel: Então o que ele analisa é que desde os anos 60 começaram a surgir nos EUA uma série de movimentos a que primeiro se chamou de Medicina Comunitária, e que estavam voltados para comunidades pobres e negras. Depois começou a ter uma penetração nas faculdades de Medicina como uma reação ao custo crescente da ação médica, dizendo que teria que mudar a atitude do médico em relação ao seu paciente, que dessa forma não só seria mais efetivo como também diminuiria os custos. Essa forma seria dando ênfase à prevenção das doenças e não mais à cura. Sinteticamente falando... a tese dele é muito mais profunda, foi publicada post mortem, a Anamaria conseguiu organizar, até com uma série de capítulos de outros autores fazendo comentários, é muito interessante ler... O que ele analisa são as bases institucionais em que esse movimento preventivista surge nos EUA, quais são os conceitos chave da saúde como um objeto biológico, e como era a ênfase dada na inculcação nos médicos de uma nova prática de atenção à saúde. Então a crítica que ele faz é que a saúde não pode ser vista como objeto biológico, mas social. Dentro da sociedade, portanto de natureza política, objeto da luta política numa sociedade de classes. Não era uma questão de inculcar um pensamento novo no médico, mas de transformar o sistema de saúde. Guilherme: Nesse contexto, nessa proposição nova, pelo menos a aplicação de uma proposição nova, que papel o Sérgio cumpriu em termos de estar trazendo essas questões, você vê o Sérgio com qual destaque? Sarah Escorel: Eu não fazia parte do CEBES nesse início... Regina: Só pra entender a cronologia: você era aluna da faculdade, foi pra SBPC, teve a primeira... Sarah Escorel: Aluna da Faculdade de Medicina da UFRJ, aqui no Fundão. Regina: E você tinha contato com algum partido político? Sarah Escorel: Não. Regina: Então você vai lá e tem esse primeiro encontro com o Arouca... Sarah Escorel: Eu era do movimento estudantil, sempre fui uma pessoa com atuação, mas todas as vezes que quiseram me levar pra um partido (o primeiro que tentou foi o PC do B, não foi nem o Partidão), eu fugia, não queria. Depois tive experiências partidárias que comprovaram que eu fazia muito bem! [risos] Então eu era uma militante com uma certa independência. Regina: Você participou... Sarah Escorel: Eu fui de curiosidade! Regina: Você se formou quando? Sarah Escorel: Eu me formei em 77, fiz o primeiro ano de residência em Doenças Infecciosas e Parasitárias lá mesmo no Fundão, e no final do primeiro ano eu estava muito decepcionada com a minha escolha, porque eu estava cuidando de criança que estava com marcapasso em função de uma miocardite diftérica. O Departamento de Medicina Preventiva da faculdade era muito ruim! O que era bom era a DIP (Doenças Infecciosas e Parasitárias). Então eu não tinha essa escolha de fazer Medicina Preventiva, que acho que era a escolha do meu coração, porque o departamento era ruim. Então eu fui fazer DIP, mas eu não era o que eu queria, então eu saí no final de 78, só fiz um ano de residência, eram dois anos, e comecei a procurar alternativas. Uma amiga me contou que tinha um projeto em Vitória de Santo Antão (PE), que estava procurando gente, e que a pessoa que estava encaminhando os currículos era uma pessoa chamada Sérgio Arouca aqui na Escola Nacional de Saúde Pública. Eu já tinha vindo conversar na Escola Nacional de Saúde Pública com o Eduardo Costa (que tinham me indicado, tinha uma carreira de sanitarista)... Guilherme: Isso estava acontecendo no PESES/PEPPE? Sarah Escorel: Estava. O PEPPE coordenado pelo Eduardo Costa e o PESES coordenado pelo Sérgio Arouca e pelo Sérgio Góes. Eu vim trazer o currículo, e foi assim que eu conheci o Sérgio, foi assim que eu casei com o Sérgio. Guilherme: Depois daquele encontro de São Paulo. Sarah Escorel: Mas aquele encontro eu assisti, ele nem tomou conhecimento... [interrupção para ajeitar o microfone de lapela] Sarah Escorel: Lá em São Paulo, eu estava somente na frente daquela figura, quando eu vim aqui pra entregar um currículo, foi aí que eu o conheci. Mesmo assim eu fui pra Recife tentar esse trabalho no interior de Pernambuco, que eu não consegui. Inclusive porque a recomendação vinha do Sérgio, ou seja, havia uma resistência em aceitar pessoas que ele indicasse, e também porque eu não era de lá – duas coisas que fizeram com que eu não fosse aceita. Quando eu voltei já casada com ele, já sentindo que a gente ia viver junto, é que eu entrei pro curso de Saúde Pública. Ele foi meu professor quando eu já era casada com ele, aqui na ENSP, no curso de Especialização em Saúde Pública. Regina: Você estava contando ali que você foi levar o currículo e ele te convidou pra jantar... [risos] Sarah Escorel: Aí eu vou contar o romance... Isso é outro dia, não é? Vou voltar pro CEBES... [gargalhadas] O Guilherme deu uma risada meio “haaan?, meio amarelinha... [gargalhadas] Regina: Não, fique à vontade... Eu acho também que as coisas não estão dissociadas, você conheceu o Sérgio e começou um trabalho profissional, de carreira médica, e ao mesmo tempo tiveram um envolvimento, casaram, então as coisas estão interligadas. Eu queria que você falasse desse período pra entender a sua participação no CEBES. Sarah Escorel: Nesse momento que nós estamos falando eu não tive participação nenhuma no CEBES. Como eu disse no início, isso que eu sei do CEBES nesse período é em função da minha dissertação de mestrado, que eu fiz uma pesquisa a esse respeito. Então respondendo à pergunta do Guilherme, do papel que eu acho que o CEBES teve: o CEBES conseguiu aglutinar um conjunto de pessoas em torno de algumas idéias-força, e de uma proposta política. E mesmo que boa parte fosse do Partidão, conseguiu ser amplo o suficiente pra não ser uma entidade partidarizada. A gente sabia: “é hegemonia do Partidão?. Mas entrava gente, participava gente, mais do que isso, as pessoas se identificavam com aquela proposta, pessoas que não se identificavam com a proposta do Partidão. Então quando chegava no âmbito setorial, tinha uma amplitude, uma abrangência maior que no âmbito partidário. Mesmo dentro do partido (eu soube por outros depoimentos) era uma discussão muito difícil levar setorial de saúde. Tinha o Isnard Teixeira, que era a pessoa responsável pela setorial de saúde, que tinha um pensamento muito diferente desse grupo liderado pelo Sérgio. Eu acho que o CEBES teve... Apesar de ter sido criado com a revista Saúde em Debate e uma manifestação junto com a Associação Nacional de Médicos Residentes (que tinha feito um grande congresso em Olinda em 77). Eles então fizeram o Dia Nacional de Luta Pela Saúde, e em vários lugares do Brasil o Dia, e foram divulgadas a proposta e a revista. Então surgiu um veículo que juntava pessoas que escreviam, que tinham mais ou menos a mesma abordagem (embora naquele início a coisa estivesse pouco costurada, eram pessoas que estavam pensando de maneira diferente), e ao mesmo tempo tinha havido uma ação política que tinha trazido pessoas. Eu acho que esse foi o grande papel do CEBES, a pedra fundamental do que a gente chama “movimento sanitário?, ou “movimento da reforma sanitária?, ou “movimento pela democratização da saúde?. Ele nasce com uma plataforma de democratização como fundamental. Era o primeiro slogan dele: “democracia e saúde?, depois virou “saúde é democracia?. Com uma proposta de que tinha que transformar o sistema de saúde, unificando a Previdência com o Ministério da Saúde. No primeiro número da revista já aparece a expressão “reforma sanitária?, embora como categoria mesmo ela só viesse a ficar mais clara na VIII Conferência, dez anos depois. O CEBES também teve um papel como espaço para movimentos que estavam surgindo e não tinham onde se reunir. Começavam no CEBES e depois eles mesmos se independizavam, ou criavam sua própria plataforma. Isso aconteceu com o movimento de mulheres. Mesmo os movimentos de renovação médica encontraram no CEBES uma certa acolhida depois, se constituiu como um movimento à parte, próprio, com questões específicas, mas também teve muita influência do CEBES na amplitude da análise que os sindicalistas faziam naquela ocasião, porque não eram pessoas que tinham uma plataforma única e exclusivamente corporativa, eram pessoas que tinham como plataforma o direito à saúde, uma análise do sistema nacional de saúde não com a questão somente salarial. Eu acho que teve essa influência. Regina: Por trás da discussão da saúde tinha a discussão de modelo de sociedade. Guilherme: Eu acho que nisso que a Sarah tá falando tem uma coisa muito interessante, que, tendo em vista esse papel que o CEBES teve, ele consegue reaglutinar militantes da fase pré-ditadura, que a III Conferência Nacional de Saúde (a última realizada antes do golpe) foi um marco também no sentido de discutir essa questão de democracia e saúde. Alguns conceitos até de organização institucional, de descentralização, extremamente avançados. Você tem figuras interessantes dessa época que voltam a se identificar com o movimento sanitário, um eixo aglutinador nesse sentido, então eu acho que isso é muito importante. ??????????? A impressão que eu estou tendo é que houve uma série de confluências nesse caminho que se cristalizou no sucesso, no destaque que o próprio Arouca teve no movimento sanitário. Tem essas questões todas e n atores, no entanto foi ele que teve um papel, uma liderança. A gente já esteve fazendo entrevistas em Ribeirão Preto, e foi muito interessante porque o momento do golpe foi muito dramático. Eles eram um grupo bem estruturado, bem organizado, uma formação política e cultural. O golpe meio que desmontou o sonho... Eles falaram assim: “a gente ficou na praça onde eles souberam do golpe...?, e a gente estava entrevistando eles naquela praça. E um dos conhecidos dele (o Villalobos) deu uma entrevista muito interessante fala assim que de certa forma o Arouca teve sabedoria de entender que o golpe não era temporário, era um processo de reestruturação do Estado e da própria sociedade brasileira que expressava isso, e caminhos novos teriam que ser inventados e descobertos. A sensação que eu tenho da coisa da busca de caminhos, é que ele conseguiu entender que fazer uma política setorial em que os conceitos básicos, centrais de transformação da sociedade pudessem ser agregados seria interessante. Então o Villalobos não acompanhou o Arouca por toda a sua trajetória, mas a imagem que ele fez eu achei muito interessante, que ele fala: “é, o Arouca estava certo naquela época. Que ele já dizia que não ia dar certo a gente fazer resistência a todo custo a tudo, a gente tinha que inventar caminhos...? É interessante ouvir isso de você, porque meio que capta...??? ? Fita 1 – Lado BSarah Escorel: Quando a gente conta a história, ela fica mais linear do que ela foi de verdade. Eu tenho dado ênfase à entidade, ao CEBES, não ao Sérgio. Não estou querendo de jeito nenhum desconhecer a importância do papel dele, mas não era só ele. Era um conjunto de pessoas. Claro, ele era a liderança, não só porque ele tinha um estofo intelectual enorme, ele tinha estudado muito mesmo (na tese de doutorado dele o principal autor é o Foucault, ele faz a “arqueologia? do movimento preventivista, ele mexe nas entranhas, nos conceitos, ele tinha uma bagagem importantíssima), mas ele era aquela figura carismática! Gente com o mesmo estofo que ele não exerceu a liderança que ele exerceu porque não tinha o carisma dele. E ele era uma pessoa muito agregadora. Era difícil ele tirar alguém de cena, ou querer que alguém não participasse. Acho que aconteceram pouquíssimas vezes em que ele não gostava de alguma pessoa – em princípio ele gostava da pessoa, encontrava alguma afinidade, conquistava facilmente a pessoa com quem ele tava conversando, era bem-humoradíssimo... Era um gaiato, né? Ele ria de si mesmo, só fazia bobagem, ria das próprias bobagens... Então era uma pessoa boa de se estar. Ele tinha essas características pessoais que cativavam as pessoas. Politicamente, ele cometeu inúmeros erros na vida! Horríveis erros! Partidariamente, horrorosos erros, de análise, mas a gente guarda mais os acertos... Ele fez discursos assim que realmente... Eu me lembro do que ele fez no Congresso de Saúde Coletiva na Bahia em 2000, que ele começou falando que tinha jogado o i ching pra saber o que ele deveria falar naquela palestra, aí ele faz toda uma palestra analisando o enagrama de cima, o de baixo, e sai com uma coisa assim... Eram mil pessoas naquele auditório, e quando ele acabou nós nos levantamos e ovacionamos! E queriam interromper, vinha uma mocinha e entregava pro presidente da mesa um papel dizendo que o tempo tinha acabado, era o Guilherme Rodrigues da Silva, e ele nem olhava aquilo! Porque era uma coisa fascinante, como ele tinha, do jogo do i ching (que ele deve ter feito mesmo, porque ele não ia inventar aquilo), saído com uma plataforma de luta política pro movimento da reforma sanitária em 2000. Ele era fabuloso! Realmente genial, não tenho a menor dúvida, mas muita bobagem ele fez também [risos]. Eu tenho muita preocupação que a gente não endeuse os homens também, e muita coisa que eu estava falando era em relação ao CEBES. Eu acho que a gente tem que pensar na conjuntura. O CEBES é criado, os primeiros três anos do CEBES (76 a 79), seu marco inicial, é um período em que a sociedade brasileira começa a se remexer depois do Golpe: em 77 a gente vai ter greve de médicos residentes, novas greves, as do ABC, o movimento contra a carestia, as Comunidades Eclesiais de Base, já começa o Geisel a botar a sua Missão Portella pra ver se vai fazer a sua “abertura lenta, gradual e segura? (ele conversa com a ABI, a OAB), a OAB lança a Carta aos Brasileiros, quer dizer, a sociedade está se mexendo... Eu não sei se foi um insight, ou se foi um princípio de realidade, o fato de continuar com uma idéia de uma revolução, de uma “tomada ao castelo? nem de uma transformação radical da sociedade, e que uma ação por dentro do setor saúde poderia trazer grandes conquistas. Isso eu não sei. O que eu sei é que ele começa a fazer isso no Projeto Paulínia, de discutir com os próprios pacientes e com a própria comunidade, ver alternativas políticas e ligar com outros projetos que estavam acontecendo. Aí tem a Unb sendo criada também, o projeto de Sobradinho e Planaltina; tinha o projeto de Minas Gerais, do Internato Rural, que depois vai dar no projeto de Montes Claros. E dentro da área de saúde tem um movimento, que são as SESAC’s (Semanas de Saúde Comunitária), em que as pessoas podiam discutir, fazer análise da sociedade com uma franqueza, com determinadas categorias, que nem a UNE (que estava na clandestinidade) podia fazer, nem os partidos políticos, nem os articulistas publicavam em nenhum jornal. Então você podia ter a impressão chegando na SESAC de que a revolução estava em curso e que a vitória era certa, porque as discussões eram acaloradíssimas, as análises eram aprofundadas, e o setor saúde não era uma coisa de pessoas especializadas (enfermeiros, técnicos), a saúde era a vida das pessoas, da sociedade, ultrapassando em muito até o próprio conceito de bem estar físico e mental da Organização Mundial de Saúde, porque tinha uma determinação social da doença que era analisada. Então eu acho que houve uma confluência de vários movimentos num determinado contexto particular da sociedade. Em 72, se o CEBES tivesse sido criado em pleno Governo Médici, teria dado com os burros n’água certamente... Tem também a crise da Previdência mostrando todo dia em jornal filas e filas de gente morrendo – então mostrando ali que o jeito que tinha sido dado não era um bom jeito, as coisas não estavam indo bem, não só não atendiam todo mundo como os próprios trabalhadores formais não recebiam atendimento. Acho que tudo isso favorece a expansão desse movimento. Regina: A impressão que eu tenho ouvindo vocês é que é um projeto mais amplo, o Temporão falou que militantes do movimento sindical, como o próprio Lula, reclamavam plano de saúde pra categoria! E o que eu acho que é novo no CEBES, nesse movimento da reforma sanitária, é pensar uma mudança da sociedade dentro do Estado, o Estado possibilitando a universalização dos direitos. O Temporão falou uma coisa interessante, que era um projeto civilizatório num certo sentido. Sarah Escorel: Isso é uma frase do Sérgio que fala que a reforma sanitária é um projeto civilizatório. Você tem que entender que isso é agora, não era naquele tempo! Era um projeto social, sem dúvida nenhuma, político, amplo, mas não tinha a abrangência que teve depois. Isso foi construído. E se a gente tem os founding fathers também do movimento, essas coisas não estavam todas na cabeça, ninguém era o “iluminado?... Essas coisas foram sendo construídas e, com o passar do tempo, com a própria luta do movimento, enfrentando determinadas conjunturas, é que certos objetos de análise foram incorporados, certas pesquisas foram feitas, lutas políticas foram travadas – não porque se tivesse pensado desde o início que elas tivessem que ser travadas. No início se tem um esboço. Esse esboço estava tão correto nessa direção, que ele continua até hoje sendo o nosso marco, fazendo parte dos nossos princípios. Guilherme: Voltando de novo ao CEBES, eu acho que tem essa visão também de ter formulado uma tese avançada no entendimento de que o determinante da saúde era as relações sociais, o CEBES ajudou de certa forma a formar um movimento político em torno disso. Poderia ter ficado na tese só. Não tinha nenhuma obrigação de cumprir esse outro papel que você está falando, da construção quase que cotidiana. Regina: Um outro aspecto muito forte é que é um projeto coletivo inclusive em termos da construção das carreiras... Você estava falando da sua carreira de médica, a impressão que eu tenho é que, ao ingressar no CEBES, você encontra um lugar mais coletivo pra discutir, pra refletir. Então não é mais o indivíduo construindo sua carreira profissional sozinho, mas ele está referenciado num projeto mais coletivo. Sarah Escorel: Nessas SESAC’s eram apresentados muitos desses projetos coletivos que estavam pipocando, e os estudantes de Medicina que participavam acabavam fazendo a residência nesses projetos. Então eles funcionavam como um aglutinador. Eu peguei um depoimento muito interessante do Francisco Campos, de Minas, que dizia que “as SESAC’s eram um evento tão único, que acontecia nas Semanas Santas, que a gente chamava esses figurões e eles passavam a semana inteira com a gente?. Agora você vai, faz a sua fala de 15 minutos e sai. Mas então ficavam todos, Hésio Cordeiro, Cecília Donangelo, Sérgio Arouca, então as pessoas iam. As pesquisas que eram feitas aqui no PESES eram levadas pra serem apresentadas, principalmente pros estudantes de Medicina. Tinha muito isso, a carreira que mais participava era Medicina, hoje em dia não é assim, você têm várias outras. Mas também no sindicato estava se renovando, o movimento de renovação médica estava acontecendo. Depois teve o movimento de renovação dos conselhos de medicina – uma briga que chegou até à Associação Médica brasileira. A academia também estava incorporando quadros, pesquisando novos objetos, estava cada vez mais sólido esse campo disciplinar que vai ser chamado de saúde coletiva. Então tudo isso está acontecendo nesse período. ??????????? Eu acho que teve uma outra percepção que foi importante, e que foi objeto de discussão bastante acalorada naquele início (76 a 79, há muito tempo atrás), que era a coisa do papel do Estado. Se entrar no Estado, assumir alguma função num órgão governamental era se corromper completamente, fazer o jogo da ditadura, ou se era a possibilidade de por dentro do aparelho de Estado tentar iniciar uma transformação. Então isso era uma briga acalorada, tinham várias... E aí a gente pode dizer que a linha partidária era muito forte, porque o Partidão era favorável a essa entrada no aparelho de Estado. Já o PC do B e outros movimentos, trotskistas como o MEP, eram contrários. Essa linha de entrar no aparelho de Estado se revelou a mais correta, porque a briga foi travada por dentro, e muitas coisas que depois foram feitas, que conseguiram ser viabilizadas, foram porque pessoas ligadas a esse movimento eram contratadas como técnicas, pelo seu currículo, sua capacidade técnica, mas conseguiam dentro dessas instituições às vezes promover pequenas mudanças – mas alguma mudança de rumo da política. Que aí a gente vai ver isso no período posterior, a partir da crise da Previdência e do plano do CONASP, e o surgimento das Ações Integradas de Saúde. Então essa foi a primeira atuação por dentro do aparelho de Estado de pessoas vinculadas a esse movimento sanitário – que nem tinha essa percepção assim de ser um movimento, mas as pessoas se identificavam com os discursos, se identificavam com as plataformas. Então chegavam nos lugares e se reconheciam como fazendo parte de um mesmo projeto sem ter recebido nenhuma carteirinha, sem que nunca tivessem tido uma organização partidária. Por isso eu brigo muito quando chamam de “partido sanitário?, que é uma alcunha que foi dada até numa discussão de uma maneira pejorativa, porque via a intervenção de pessoas assim muito organizadas: “ah, isso parece partido sanitário?. Não é, é um movimento, porque não tinha essa organização partidária, e, no entanto, diversas vezes (e até bem recentemente em determinadas situações) essas pessoas conseguem se articular em torno de idéias e propostas que são desse movimento. Regina: Mas ao mesmo tempo tem uma articulação desse movimento com o Partido Comunista... Sarah Escorel: De pessoas do movimento que são do Partido Comunista. O Partido Comunista nunca disse ao CEBES o que ele tinha que fazer. Guilherme: O Partido Comunista assumiu plenamente as teses do CEBES... Sarah Escorel: Essa era a briga que eles tinham dentro da setorial de saúde. Que continuou, porque se tinha dentro do Partidão essa visão de que movimento ecológico, movimento setorial, movimento das mulheres é puro diletantismo. Tem que se concentrar na transformação das bases materiais da sociedade e no fim da exploração e da dominação... Ainda estamos numa época em que era briga... não era nem frações de classes, era burguesia contra proletariado. A sociedade não respondia mais a esse esquema analítico, mas esse era o esquema analítico do Partidão, ele era muito “duro?! Tem que pensar que as luzes do eurocomunismo, Gramsci vai chegar em 80, 81, 82. O Berlinguer veio ao Brasil em 78, talvez tenha sido um pouco antes... Eu me lembro (porque eu já era casada com o Sérgio, não participava mas obviamente eu sabia das coisas que aconteciam) que a discussão com os “euros? estava acontecendo em 80. Regina: Guilherme, seria bom ela falar um pouquinho da história da Nicarágua. Sarah Escorel: Mas vai deixar o CEBES aí? Regina: Mas a ida pra Nicarágua não tem uma articulação? Guilherme: Sempre tem, mas a Nicarágua aparece mais em função de um movimento mais da OPAS. Sarah Escorel: Ele era presidente do CEBES quando foi chamado pra Nicarágua, eu falo até aí e depois vocês vêem o que fazem, tá bom? É um depoimento que tem que ter muito mais horas dado a bagagem de conhecimento que eu tenho... [risos] Regina: É verdade. A gente até pensou: “a Sarah tem tantas coisas, tantos aspectos...? Por isso que a gente pensou em fazer essa parte familiar, junto com as meninas... [Regina e Guilherme conversam sobre o caminho que a entrevista deve seguir a partir dali] Sarah Escorel: Nesses primeiros anos, de 76 até 79, os presidentes do CEBES foram de São Paulo, o CEBES estava localizado principalmente em São Paulo. Foram constituídos núcleos do CEBES em outros lugares. Às vezes o núcleo era uma pessoa só, que recebia a revista, fazia alguma atividade, ficava sendo a pessoa pra fazer as assinaturas... Em outros não. Em outros eram lugares onde as pessoas se juntavam pra discutir, pra ter uma atividade mais de centro de estudos mesmo. Em 79, o Sérgio foi eleito presidente, e aí o CEBES nacional veio pro Rio de Janeiro, onde ele morava, e tinha sede no Sindicato dos Médicos, na Avenida Churchill, onde tinham sede todos os movimentos de oposição do setor saúde: os médicos residentes se reuniam lá, a AMERJ (que chamava AMEG, Associação Médica da Guanabara, que eram aqueles velhinhos comunistas, como o Mário Vítor de Assis Pacheco), os próprios movimentos de oposição (depois eles conquistaram o sindicato), oposição ao Conselho, tudo acontecia lá na Avenida Churchill. O CEBES também fazia suas reuniões lá às segundas-feiras, e parecia que o melhor chamariz era que depois acabava no Amarelinho, todos iam beber chope no Amarelinho, embora houvessem alguns que discutissem que deviam beber chope no Vermelhinho, devido à coloração ideológica dos participantes. E aí ficavam bebendo chope o resto da noite. A revista tinha sido publicada em São Paulo e tinha o apoio da Oboré – até hoje a pessoa responsável, o Serjão, está aí no movimento, está envolvido com as rádios comunitárias, e ele tinha essa editora que estava muito ligada ao DIEESE e a todos os movimentos sindicais de oposição (surge a oposição sindical). Foram até o número 5, se não me engano... Acho que até um pouco mais, eram 4 números por ano. Quando ela vem pro Rio, começa a haver uma certa dificuldade nessa organização – e o Sérgio como presidente deve ter ajudado a desorganização. Ele era muito desorganizado! Então a revista assume um novo formato, outra cara, já não é aquele papel pardo de embrulho (papel reciclado, nem se falava em papel reciclado naquela época), ela assume um novo feitio e começa a ter uma certa descontinuidade, não consegue publicar os 4 números por ano. Mas no mandato do Sérgio, ele fica pouquíssimo, porque o Juan Cesar Garcia vem ao Brasil e pergunta se ele não quer ser assessor pela OPS do Ministério da Saúde da Nicarágua – tinha acontecido a Revolução Sandinista em julho de 79. Aí o Sérgio vai se licenciar da presidência do CEBES e, se não me engano, o Eleotério que era o vice-presidente vai assumir. O Temporão também fazia parte dessa chapa, a Liliane, mulher do Temporão também fazia parte dessa chapa... Talvez ela estivesse no núcleo do Rio, porque no Rio tinha o nacional e o núcleo do Rio, então eu não tenho certeza... Agora eu conto o que? Nicarágua ou CEBES? [gargalhadas] Regina: Não sei, porque eu tô muito curiosa pra saber essa coisa da Nicarágua. É incrível, porque de repente vai pra uma coisa totalmente... Sarah Escorel: Tem que pensar o seguinte: várias coisas foram favoráveis à ida dele. Claro, convite vindo do Juan Cesar era convite vindo de uma pessoa que ele admirava muito. No início, quando ele conheceu o Juan Cesar, ele brigou, saiu no maior pau com o Juan Cesar, em Campinas ainda! Depois eles foram se conhecendo e se gostaram muito! Isso era uma coisa importante. O representante da OPAS na Nicarágua era o Miguel Marquez, um grande companheiro do Juan Cesar Garcia dentro da OPAS, num movimento mais político, de difusão de idéias, um marxista também, ele é equatoriano. Pessoas assim fisicamente muito diferentes, mas uma duplinha muito persistente, muito disciplinada, muito organizada nessa coisa da difusão das idéias, de transformação da abordagem. Ele estava lá e estava juntando um grupo que era composto basicamente de exilados. Então tinha o Tabaré Gonzalez (que é muito amigo do atual presidente, que também se chama Tabaré, Tabaré Vasquez do Uruguai, que acabou de ser eleito), um outro argentino que era estatístico, e os cubanos que estavam lá mesmo porque estavam dando apoio. Também tinha disso dele vir a constituir uma equipe, e o Sérgio tinha tido uma trajetória latino-americana, conhecendo várias pessoas e participando daquilo que depois ia ser conhecida como ALAMES (Associação Latino-Americana de Medicina Social). Ele tinha várias ligações com os mexicanos, equatorianos, argentinos, chilenos, em torno da Medicina Social. Então isso também contava. E eu acho que outras duas coisas tiveram peso significativo. Ele não estava satisfeito com o que estava fazendo aqui. Tinha chegado num momento em que estava meio assim, sabe... uma certa... Guilherme: Além do CEBES, o que ele fazia? ? Sarah Escorel: Ele era professor titular, concursado, da Escola Nacional de Saúde Pública, no Departamento de Administração e Planejamento em Saúde. Quem era chefe era a senhora Elza Paim, que ficava falando: “olha, agora tá na hora de você assumir o Departamento.? Esse negócio de trabalho burocrático não era muito com ele não... E ele dizia: “não, vamos ver...? O PESES tinha acabado. Não tinha nenhum grande projeto. Ele dava aulas, tinha a coisa da Pós-graduação, que o Mestrado tava indo, mas ainda era muito incipiente, se pensou em abrir o Doutorado, mas isso foi só depois que a gente voltou da Nicarágua... Então era um período que ele não tinha assim um trabalho que ele achasse muito interessante. Eu acho que isso foi um outro fator que fez ele assinar. E eu acho que o último fator que também pesou: nós éramos recém-casados e eu adorei a idéia! Eu queria muito ir pra Moçambique na ocasião, que estava passando por um processo revolucionário. Apesar de ter vivido a minha vida como filha de diplomata muito mais na América Latina, não conheço nada da ?frica, sempre tive aquela coisa de “vou à ?frica?...??? ?Fita 2 – Lado A?Sarah Escorel: ... um campo de atuação que teria me deixado muito mais satisfeita do que o que eu exerci propriamente, e quando veio essa proposta, sei lá, tinha menos de um ano que a gente estava vivendo junto, não tínhamos filhos. O Sérgio tinha o Pedro, mas que morava com a Ana. Eu achei aquela idéia ótima! Ia viver um processo revolucionário, único e me encantei com aquilo! Dei muita, muita força pra que ele aceitasse. A proposta veio em fevereiro, talvez final de janeiro, o Sérgio acabou aceitando, talvez em abril, fizemos toda a papelada, e final de junho, início de julho, estávamos desembarcando na Nicarágua, eu crente que íamos ser recebidos com tapete vermelho, “estava chegando o Sérgio Arouca?, e não deram a menor pelota, esqueceram de mandar o jipe pegar a gente, foi aquela chegada assim cheio de mala, aquela confusão... [interrupção]??????????? Isso foi em 1980.? Nós chegamos lá pra assistir na praça o primeiro aniversário da Revolução Sandinista. Uma multidão! O Fidel Castro foi! Eu me lembro que a gente escutava no rádio o locutor anunciando que o avião tinha finalmente descido: “o avião caminha inexoravelmente para o aeroporto, onde desembarcará o comandante...? Eu adorei aquele “inexoravelmente?! [risos] E também tudo muito militarizado. Eu talvez agora possa ter até uma certa crítica, mas na época eu não tinha crítica nenhuma, achava que aquilo eram os soldados do povo, a milícia do povo, que o povo tinha sido finalmente libertado. A gente ainda escutava tiros de noite. A gente tinha chegado num momento em que tinha saído um conjunto de pessoas, mas não havia problema de abastecimento. Então quem tinha dinheiro ia no mercado e comprava o que tinha. Tinha um restaurante maravilhoso que só tinha lagosta... Ah! Como a gente gostava de lá... [risos] Lopes Sorini. Era assim. Todo mundo dizia: “coitadinhos, tão sofrendo na Nicarágua...? A gente dizia: “quem tá sofrendo?! Estamos comendo lagosta!? Então a gente estava no “bem bom?.??????????? O trabalho do Sérgio foi assessorar o Ministério da Saúde. Mas o Ministério da Saúde também não sabia em que queria ser assessorado. Tinha uma equipe cubana forte, mas um mundaréu de coisas pra ser feito, e ele foi pra Divisão de Planejamento. O diretor da Divisão de Planejamento era um rapaz, médico recém formado, militante, que não tinha a menor idéia do que era planejamento, não tinha nenhuma formação em saúde coletiva, tinha sido posto no lugar porque precisava ser ocupado o lugar. A área de epidemiologia era tecnicamente mais forte (como costuma acontecer nesse campo, que tem uma base técnica mais sólida, mais tradicional, lá tinham pessoas que estavam lidando com epidemias, como a malária), e tinha a parte de serviços que era caótica. Porque Manágua tinha tido um terremoto em 1972 que tinha destruído a parte central da cidade e... assim como estava, assim ficou, os escombros. Você via como se o terremoto tivesse acontecido semana passada, as ruínas daquele pedaço todo, tudo aquilo que caiu. E mais pro fundo, perto do lago, tinha o Teatro Ruben Darío, um teatro muito bom, onde tinha vários espetáculos – a gente viu o Balet Cubano, a Mercedes Sosa, peças nicaragüenses, balets... Mas ao fundo, se via aquelas ruínas todas. Em 79, eles vivem o final de uma guerra civil na qual eles contabilizaram cem mil mortos. A Nicarágua tinha sido o último palco... A Nicarágua é muito pequenininha, ela é gordinha, mas ela é baixinha. A Costa Atlântica com a Costa Pacífica realmente não se encontram. Na Costa Atlântica são grupos étnicos (os miskitos) indígenas e africanos (uma mistura)... E a junção não era por estrada, era por rio. E nós saímos da cidade uma vez e levamos seis horas pra chegar do porto mais central até a Costa Atlântica, pra visitar. Mas Masaya, onde tinha uma universidade e tinha tido um grande movimento revolucionário ficava a uma hora, uma hora e meia, tinha um vulcão, todo mundo que ia nos visitar nós levávamos pra visitar o vulcão. Então a cidade de Manágua era muito estranha, porque tinha partes destruídas... Uma pobreza, uma pobreza que a gente não consegue ter idéia! “Sertão nordestino? em algumas áreas. Em outras áreas se vivia bem, em casas muito boas, a gente ficou numa casa muito boa! E a Revolução há um ano no poder. Então falando dos serviços de saúde: os serviços de saúde na parte pública e a seguridade social (a previdência social) eram de uma precariedade enorme! Nos primeiros seis meses, nós morávamos num hotel, um hotel que tinha uns chalezinhos. E nesses primeiros seis meses, era uma assessoria aqui, uma ajuda ali, mas não tinha um rumo. Não tinha projeto, justamente porque o Ministério da Saúde não tinha um projeto. Ele então começou a mandar pessoas de lá pra estudarem aqui. E o Larry Vado, que era esse diretor de planejamento, foi o primeiro que veio, passou também por Salvador, e voltou outro! Era um revolucionário sandinista e voltou cheio de fitinha do Senhor do Bonfim, sandália de couro, camisa cheia de cor... Que figura, né?! [gargalhadas] Mas ele não conseguiu formar o Larry não. Depois veio uma outra pessoa, uma pessoa muito mais sólida, o Guillermo Gonzalo... Guilherme: Que casou com a Carmem... Sarah: Que casou com a Carmem Teixeira. E a Carmem foi pra lá. Então a preocupação dele nesse início era de formação. Uma coisa que ele ajudou a organizar logo no início foi um seminário, em que se procurou resgatar (um pouco como o próprio CEBES) a história do serviço de saúde, fazer um pouco um diagnóstico do que estava acontecendo – e dá-lhe de ler, e dá-lhe de ler... Tinha muita publicação dos sandinistas, além do famoso Editorial Progreso que editou a obra completa de Lênin, todos os livros marxistas, então a gente começou a ler muito sobre a Nicarágua. Depois houve uma mudança de ministro e entrou uma socióloga chamada Lea Guido, que foi quando o Ministério da Saúde conseguiu ter um pouco mais de norte. Então nessa ocasião o Sérgio trabalhou muito fazendo o Plano Nacional de Saúde da Nicarágua. Aquilo que antes tinham sido pequenos espasmos havia ajudado a fazer um diagnóstico, e com o diagnóstico então ele começou a assessorar – porque ele era assessor, não tinha poder – a Divisão de Planejamento na elaboração do Plano Nacional de Saúde de 1980. Foi apresentado num grande seminário, com várias partes, inclusive uma parte de avaliação, eu participei disso também. Mas era o Ministério da Saúde, com a presença da ministra o dia inteiro nesse seminário. Foi o grande trabalho que ele fez naquele ano, e depois em 1981 foi acompanhar a implantação desse plano. Eu acho que, teoricamente, o Sérgio fez na Nicarágua um trabalho que está perdido, a menos que seja possível localizá-lo nos papéis que estão no sítio dele. Foi um trabalho sensacional intitulado Epidemiologia da Agressão, relacionado com a agressão norte-americana em El Salvador e na Nicarágua no Governo Reagan. Era o início de um trabalho sobre epidemiologia da violência, mas em termos macros, em termos das políticas internacionais. O que estava acontecendo com o germe da revolução sandinista e as possibilidades de transformação que estavam postas por causa da agressão dos EUA. Esse é um trabalho sensacional, nunca foi publicado, pouquíssimas pessoas leram, e eu acho que ele se perdeu. E era um avanço teórico, era uma análise na qual ele tinha avançado teoricamente. Muito bom. Ele ainda escrevia naquela época. Porque depois de um tempo ele parou de escrever. Aí ele só falava. A gente pegava o que ele falava, gravava e via a transcrição. Guilherme: Nem lia muito... Depois. Não escrevia nem lia. Sarah: É, depois. Dependendo do assunto. Se ele se interessava por tai chi chuan, ele comprava todos os livros de tai chi chuan. Quando ele decidiu que ia ter um cachorro fila, ele comprou todos os livros sobre fila brasileiro. Era a maneira que ele tinha, ele saía comprando toda a bibliografia... Ele decidiu que ia cozinhar: comprou dezenas e dezenas de livros de receita. Então ele ficava vendo as receitas. Era esse o sistema dele. Depois eu não sei mais o que ele lia... Mas não escrevia mais. ??????????? Então nós chegamos em julho de 1980, teve esse semestre que foi de diagnóstico, eu falei que o Plano Nacional de Saúde era de 1980, não era, era de 1981, foi elaborado ao longo de 1981 e implementado. Nós ficamos lá até setembro de 1982. Um outro acontecimento que foi importante que teve antes da gente vir embora foi o II Encontro Latino-americano de Medicina Social. O primeiro tinha acontecido no Equador, em Cuenca, e o segundo foi lá, porque ele estava lá e conseguiu o espaço, e a Nicarágua era o chamariz desse conjunto de pessoas. ??????????? Os contratos da OPAS eram de 11 meses pra não criar estabilidade. Então quando chegou em 1981... E tinha que sair do país. Então o Sérgio veio ao Brasil, e eu fiquei lá. Eu já estava grávida da Lara, nossa filha mais velha, que é nicaragüense. Quando chegou de novo a renovação em 1982 já foi uma coisa um pouco mais complicada, a OPAS não queria mais renovar. Nós fomos pra Espanha, porque os meus pais moravam na Espanha, e nós fomos pra lá. Ficamos muito tempo esperando o contrato ser renovado. Aí começou também que as coisas aqui no Brasil estavam mudando em 1982, tinha as primeiras eleições pra governador em novembro de 1982. Era como se naquele momento se tivesse conseguido fazer alguma coisa, essa coisa do Plano, estava em desenvolvimento um programa de atenção primária com a coordenação do Roberto Capote (que era um cubano), também ligado à Divisão de Planejamento, juntava planejamento com serviços de saúde. Eu me senti numa certa encruzilhada naquele momento: ou a gente ficava pra ficar mesmo, e aí perdia de perspectiva a idéia de voltar; ou a gente voltava naquela hora, porque senão nós íamos perder o “bonde da história? aqui, onde as coisas estavam mudando. Essa coisa do contrato da OPAS também teve interferência porque era muito chata. Você não podia ficar. E eles não tinham feito uma renovação de 11 meses. Então a gente achou que era a hora de voltar. O Encontro Latino-americano foi feito em setembro e logo depois a gente veio embora. Guilherme: Da Espanha vocês voltaram pra Nicarágua? Sarah: Voltamos pra Nicarágua, e aí teve esse Encontro Latino-americano. Nesse momento, em 1982, as coisas já tinham mudado muito. No início a gente morava em hotel (nesse que tinha uns chalezinhos tão simpáticos, mas claro que era muito caro). Por volta dos 6 meses que a gente estava lá deu vontade de voltar. Talvez porque não havia uma direção do trabalho a ser feito. E eu fazia trabalho voluntário pro Ministério da Saúde, eles não me pagavam, mas não sabiam muito bem também o que fazer comigo. Me botavam num lugar, depois botavam em outro, sabe assim? Então eu também não estava lá com nenhum projeto. Então pra ter ido lá conhecer o país, conhecer a História, quando deu 6 meses a gente teve uma certa dúvida. Aí as coisas depois se ajeitaram, a gente saiu desse hotel, e como várias pessoas tinham saído da Nicarágua – assim como tinha acontecido com Cuba só que em proporções muito menores, não teve a fuga de médicos que teve em Cuba, mas a burguesia saiu também, uma parte, mas muitos ficaram, inclusive porque ajudavam os contras, como eram chamados os contra-revolucionários. Então tinha várias casas pra alugar, e nós alugamos uma casa ótima! [risos] Aí aquela coisa: “coitadinhos, moram na Nicarágua...? Morávamos numa casa muito boa, com jardim, com frutas, cachorro, era muito bom. [pausa] Por que eu estou falando isso? Estava falando já da volta. O que eu ia dizer é o seguinte: nesse momento não tinha nenhum problema de desabastecimento. Quando chegou em 1982 começou a ter problemas de desabastecimento, porque aí já eram 3 anos da revolução com os EUA boicotando. Teve uma ocasião também em que ficou eminente que eles iam invadir El Salvador, então disseram que iam evacuar todos os funcionários internacionais. Nós fomos contatados pelas Nações Unidas, que estavam responsáveis pelos funcionários internacionais, recebemos uma série de instruções, e nós tínhamos que dizer se gostaríamos de fazer parte da evacuação. E o Sérgio disse que, evacuado, ele jamais!! Quando eu comuniquei isso aos meus pais (nós já tínhamos uma criança, bebê, a Lara tinha 1 mês, 1 mês e meio), eles ficaram apavorados, de como naquela situação o Sérgio se recusava a ser evacuado. E ele dizia: “pra mim evacuação é só fezes, eu não sou evacuado de lugar nenhum, eu fico aqui!? Mas não teve invasão, não fomos ameaçados, não sentimos nenhuma vez problemas de segurança. Parte do corpo técnico que era nicaragüense foi amigo, e teve uma pessoa que ficou muito amiga dele que era o Carlos Lopez, eles nos receberam bem, mas era um grupo muito restrito de nicaragüenses. Nós tínhamos mais contato com os internacionalistas, sejam eles funcionários internacionais ou pessoas que tinham ido voluntariamente ajudar – e aí de todas as nacionalidades, costarriquenses, mexicanos, esse era o grupo social no qual a gente vivia. No final muita gente já tinha ido embora, e começou a ter a tarjeta pra pegar açúcar, que foi a primeira coisa que começou a faltar no armazém. Depois eu não voltei lá, o Sérgio voltou, e ele falou que a situação tinha ficado muito mais difícil, com a movimentação dos contras. O que eu quero dizer com isso é que nós pegamos um período muito bom, em todos os sentidos. Não tivemos que pagar um preço pelo nosso internacionalismo. Vivíamos comodamente, nos alimentávamos bem, tivemos nossa filha lá – e pudemos colaborar também, embora houvesse uma certa resistência do pessoal local de que “esse povo vem de fora pra querer ensinar o que a gente tem que fazer, quando quem conquistou a revolução fomos nós?. Isso existia. Então nós não tínhamos acesso, por exemplo, aos Comitês de Defesa Sandinista, que eram os comitês de bairro – onde nós poderíamos conhecer muito melhor os problemas da população. Nós tínhamos acesso a determinado grupo técnico, ou senão a moça que trabalhava lá em casa, quando a gente ia no mercado, mas nós não tínhamos uma turma nicaragüense nem pudemos participar das entidades de base da revolução nicaragüense, a gente acompanhava pelo jornal, a gente lia o que os representantes sandinistas escreviam... ? Regina: Mas aí como foi essa volta ao Brasil? ? Sarah: Nós voltamos em setembro, as eleições foram em novembro. Quando nós chegamos os companheiros todos estavam na campanha do Miro Teixeira: eram os famosos “luas pretas?. PMDB chaguista. Nós acompanhávamos, nós fazíamos assinaturas de revistas brasileiras, então a gente via que a primeira candidata que ia ganhar era a Sandra Cavalcanti, e quando nós chegamos era o Miro. E depois foi o Brizola. No PT era o Vladimir Palmeira o candidato, acho que não teve nem 1%... Regina: Aí quando vocês chegaram vocês retomaram o CEBES? Você retomou o seu trabalho? Sarah: Eu não participava do CEBES. Eu tava grávida da Nina, a Lara era muito pequena, e eu decidi fazer o concurso pro Mestrado. Fui chamada pra trabalhar na Secretaria Municipal de Saúde. Então eu ia fazer o Mestrado, vinha, dava de mamar, ia pra Secretaria Municipal de Saúde, o CEBES não entrava na minha agenda! O Sérgio voltou a ir todas as segundas-feiras às reuniões, e isso em 1983, o CEBES tava numa fase baixa. O que estava pegando mais fogo, o que estava mais movimentado era essa parte da Previdência, porque tinha tido a tentativa de fazer um projeto chamado Previ-Saúde, que foi a tentativa de juntar a Previdência com a Saúde, esse projeto tinha dado com os burros n’água. Depois tinha tido a crise na Previdência, e o plano do CONAF, onde estavam companheiros nossos que ficaram na Previdência e começaram a partir do plano do CONAF a tentar fortalecer o setor público – estratégia que ficou conhecida como “estratégias integradas de saúde?. Fita 3 – Lado A Sarah Escorel: Então esse era um assunto que tava mobilizando mais. E o CEBES tava sem publicar a algum tempo, eu não sei aonde tava a diretoria, assim de cabeça eu não sei. Mas em 84 (quer dizer, um ano e meio depois) o CEBES vai voltar a se movimentar em torno de uma proposta na transição democrática pro setor saúde. Não só promover como participar de um conjunto de seminários, construindo uma plataforma que, quando veio a ter a eleição do Tancredo, fez com que o movimento sanitário fosse o único a ter uma plataforma pro setor organizada. Tanto que conseguiu participar e levar essa proposta pra COPAG, que era a Comissão de Plano de Governo do Tancredo Neves, depois da eleição indireta dele. Quer dizer, quando a gente voltou as reuniões do CEBES aconteciam, acho que as revistas estavam sofrendo alguma descontinuidade. Porque tem que ver o seguinte: o CEBES nunca teve estrutura financeira, não teve no início, não teve no meio, não tem agora. O que os associados pagam não dá pra cobrir a publicação das revistas. Então sempre dependeu de convênios, ou de apoios pra poder ter essa regularidade da revista. Naquele momento eles deviam estar passando por alguma dessas crises porque a revista sofreu uma certa descontinuidade. Quando a gente estava na Nicarágua, a diretoria que estava conseguiu publicar várias revistas – isso eu me lembro. E são revistas bem diferentes, no formato, inclusive com artigos sobre Cuba. Na volta eu não me lembro, eu acho que aí teve um intervalo em relação às publicações. ??????????? Eu não falei uma coisa muito importante, que marca o final do primeiro período do CEBES, que foi o I Simpósio Nacional sobre Política de Saúde, da Câmara dos Deputados. Esse Simpósio foi promovido por estímulo de pessoas do CEBES, que moravam em Brasília, e que começaram a ter uma atuação junto aos parlamentares “autênticos? do MDB. Eles tinham sido eleitos em 78, era um grupo relativamente pequeno, e alguns deles gostaram da idéia e decidiram promover em 79 o simpósio com o objetivo de discutir o sistema de saúde. Teve a conferência magna feita pelo Mário Magalhães, que foi um sanitarista que conduziu a III Conferência Nacional de Saúde, uma pessoa que não era do Partidão, mas era próximo, muito ligado ao Isnard. O irmão dele era do Partidão. E ele era uma pessoa muito excêntrica talvez pra poder ser do Partidão, muito indisciplinado, não aceitaria a vida partidária... Teve uma série de grupos de trabalho, de discussão, e o CEBES leva um documento que se chama Pela Democratização da Saúde, que foi adotado como documento do simpósio. Foi lido pelo Sérgio (o Sérgio como presidente do CEBES) e foi adotado como documento do simpósio. Claro que tem o relatório final, mas o documento do CEBES passou a ser o documento oficial do simpósio. E foi um divisor de águas. Ali ficou claro que havia um movimento na área de saúde, nitidamente contra hegemônico, que tinha uma outra forma de pensar, que era minoritário sem dúvida nenhuma, mas ele apareceu na arena setorial com uma proposta. Quando vem a transição democrática, na eleição do Tancredo, o movimento sanitário já vai aparecer, mas numa outra situação: já como experiência de dentro dos aparelhos de Estado, a proposta delineada com mais nitidez, e os seus inimigos apresentam propostas que são extremamente parciais e corporativas – como a ABRAMG (Associação Brasileira de Medicina de Grupos) e principalmente a FBH (Federação Brasileira de Hospitais), que eram os setores que mais lucravam com a privatização da saúde. As propostas deles eram extremamente restritas àquilo de dizia a seus interesses. O movimento sanitário aparece com uma proposta que tinha por objetivo defender os interesses da população brasileira. Aí já é uma outra situação, aí ele já se faz presente na arena com uma outra categoria, outra participação: ele passa a ser um interlocutor. Tanto que conseguimos com que representantes do movimento sanitário fossem indicados para cargos importantíssimos: o Sérgio como presidente da FIOCRUZ e o Hésio Cordeiro como presidente do INAMPS, nada mais nada menos – onde ele encontrou um escritório da FBH montado, dentro do INAMPS... Guilherme: Uma passagem que faz parte desse período que você falou foi a participação do Arouca no primeiro Governo Brizola, porque ele ajudou, chegou a ser um assessor (se eu não me engano) do Eduardo Costa. Fala um pouquinho disso... Sarah Escorel: Foi, ele foi. O Eduardo Costa chamou o Sérgio pra ser assessor e deu pra ele a incumbência de organizar o que seria a “seção estadual da reforma sanitária?. Eles foram eleitos em 82 e tomam posse em 15 de março (naquela época era uma data civilizada, não é 1o de janeiro como agora que é completamente incivilizada) de 83. Esse convite não foi de imediato, mas deve ter sido no segundo semestre – pra essa Comissão Estadual da Reforma Sanitária (você vê que já aparece esse termo da “reforma sanitária?, não tinha tido VIII Conferência ainda), que pretendia juntar representantes de vários segmentos. Mas não tinha (como agora tem em todos esses conselhos) uma idéia de que tinha que ter uma proporcionalidade, nem ficou muito claro qual era a função, o objetivo daquela comissão. A idéia era fazer propostas, ser consultivo em relação a determinadas propostas do governo, ao mesmo tempo em que pudesse fazer proposições. O Governo Brizola não... Guilherme: Um pré Conselho Estadual de Saúde... Sarah Escorel: É. No entanto convivia com uma outra instância que estava criada que era a CIS (Comissão Interinstitucional de Saúde), formada pelo secretário estadual de Saúde (o Eduardo Costa), o superintendente regional do INAMPS (que era o Nildo Aguiar), o delegado do Ministério da Saúde (que eu não me lembro quem era), e o secretário municipal de Saúde da cidade do Rio de Janeiro também tinha assento, mas não tinha poder deliberativo. A CIS juntava o Ministério da Saúde, a Previdência e a Secretaria Estadual – e era justamente pra promover a articulação da política de saúde e financiar o setor público de uma maneira articulada. Era uma briga de foice, porque quem tinha o poder de fato era o superintendente do INAMPS. E o Nildo era um publicista, era uma pessoa que queria fortalecer o setor público, tinha experiência no INCA, tinha uma trajetória dentro do setor público, não era um representante dos interesses privados. Mas tinha sua maneira de fazer as coisas. E o Eduardo Costa também tinha a sua maneira de fazer as coisas, e não queria que no território dele, estadual, o outro viesse a mandar. Mas o outro era quem tinha dinheiro. A decisão era por consenso, ou seja, não tinha decisão. Até você pode pensar que a criação da Comissão Estadual da Reforma Sanitária fosse uma estratégia do Eduardo Costa de se contrapor a CIS. Acontece que a Comissão Estadual não mexia com dinheiro, então a política não era decidida ali. E o Governo Brizola teve como característica (pelo menos é a minha análise) que o Brizola não escutava nem os seus secretários, muito menos uma Comissão Estadual da Reforma Sanitária. Ele escutava, e parcialmente, o Darcy Ribeiro – e não escutava mais ninguém. Foi um desastre administrativo aquele governo. O segundo Governo Brizola foi um desastre administrativo e político, mas o primeiro foi um sucesso politicamente, mas administrativamente foi um desastre – acho que ele também não tinha nenhuma vocação. Então aquela comissão não deu em nada! Durou talvez uns oito meses, talvez no papel tenha até continuado, mas ela não era foco: “ah, lá está acontecendo alguma coisa que vai poder mudar, aqui no Rio de Janeiro as coisas vão poder ser diferentes?... Você participou? Guilherme: Eu era estudante, nessa época... Sarah Escorel: Você viu que ele arrumou um jeito de dizer que é bem mais novo que eu... [risos] Guilherme: Então eu vivia lá, participava... E também lá em Niterói existia uma mobilização muito grande por parte dos estudantes que optaram pela saúde pública em função da atenção primária à saúde. (...) Por isso diversas vezes eu estive lá. Agora eu tenho uma curiosidade, voltando um pouco à época da Nicarágua, que a primeira reunião que eu participei na casa de vocês lá em Santa Teresa (foi junto com o Ary e o Arouca num sábado de manhã), eu lembro que o Arouca comentou que tinha uma cadeira de balanço lá que tinha sido do Sandino, que ele ganhou. Então, se for verdade, é pra você comentar... Sarah Escorel: Quando nós alugamos a casa, tinha alguns móveis, entre os quais quatro cadeiras de balanço. Nós não tínhamos móveis. A casa ficou inteiramente desmobilada. Nós dormíamos num colchão no chão, e tinha essa mesinha (que era uma mesa de centro) e as quatro cadeiras que eram a nossa sala de estar. Um sofá velho eu peguei e forrei, eu mesma costurei, botei lá um pano e ele virou umas almofadas no chão. Era isso que tinha a casa... Acho que tinha uma mesa na cozinha. Ah! Tinha uma mesa na sala de jantar, mas era da casa, entendeu? Mas quando nós viemos embora, eu fiquei com vontade de trazer. E o Sérgio dizia: “ah, não! As cadeiras nem são tão lindas assim.? Era puro apego afetivo. São confortáveis, mas não eram lindas. “Mas vão ser as cadeiras mais caras do mundo!? Porque tinha que transportar, trazer aquilo de volta. Mas eu insisti, e trouxe. Depois quando a gente separou, ele não quis levar quase nada, mas ele quis levar uma das cadeiras de balanço, eu fiquei com uma e ele ficou com a outra. Mas não tinha sido do Sandino, claro que não! [risos] As histórias dele...?? [Regina e Guilherme discutem acerca da possibilidade de realizar uma próxima entrevista com Sarah, devido à falta de tempo para a continuação da entrevista] |
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