Reinaldo Guimarães Medico e mestre em Medicina Social. Foi militante do PCB, membro fundador do Cebes e fundador do IMS. Responsável pela área da saúde no CNPq. Foi diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde (Lula). Vice-presidente de Pesquisa da Fiocruz. (Rio de Janeiro - 28.06.2005) E: Então começa se apresentando e aí a gente engrena. R: Bem, meu nome é Reinaldo Guimarães, eu sou médico, me formei em 1971 pela Faculdade de Medicina da UFRJ e fiz minha pós-graduação no Instituto de Medicina Social na área de Saúde Pública e Epidemiologia, e a partir do final da década de 70 eu comecei a me interessar menos por epidemiologia e por saúde pública e mais pela questão de política científica e tecnológica. Essa divisão permaneceu e só muito recentemente já nos anos 2000 que eu pude então fazer essa junção de novo dirigindo o Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, onde eu juntei ciência e tecnologia por um lado e saúde pública por outro. Atualmente sou vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico daqui da Fiocruz, há poucos meses. E: E como você conheceu o Sérgio Arouca? R: Eu conheci Arouca no início da década de 70, quando o Arouca vinha de São Paulo para o Rio procurando uma alternativa de atuação profissional, na medida em que se tornou inviável pela percepção da Ditadura a sua permanência em Campinas. Conheci Arouca mais especificamente nas primeiras ou na primeira visita que ele fez ao Instituto de Medicina Social, que então tinha 3 anos de vida (Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da UERJ), e que? ele Arouca considerava uma das possibilidades, uma das alternativas que eles estavam estudando no sentido de se fixar no Rio de Janeiro. Arouca vinha com uma... digamos, já com um prestígio acadêmico bastante consolidado de São Paulo e naquela época o Instituto tentava convencê-lo a ficar por lá, houve inclusive, digamos um compromisso de certa maneira até firme de que isso aconteceria, mas depois houve uma série de circunstâncias que eu creio que não, e eu até? não as conheço com detalhe, portanto não falarei delas, mas Arouca optou digamos por uma inserção na Escola de Saúde Pública aqui na Fiocruz. Ambas as instituições, tanto a ENSP quanto o Instituto de Medicina Social da UERJ, naquele momento eram foco de uma atenção importante da Organização Pan-Americana da Saúde e essa atenção pra falar dela é indispensável mencionar o nome de um argentino já falecido, um homem brilhante, avançado, um marxista chamado Juan César Garcia, que naquele momento tentava no Brasil escolher um lugar para que se pudesse desenvolver uma nova proposta de política sanitária e de política de saúde, e de formar recursos humanos pra essa nova alternativa. E as duas instituições aqui no Rio que foram escolhidas foram a Fiocruz (a ENSP) e o Instituto de Medicina Social. A vinda de Arouca pro Rio um pouco foi digamos, acabou se articulando com essa iniciativa toda e Arouca acabou por ser o autor muito relevante na construção desse projeto todo. E: Só uma curiosidade... já tendo o Rio a ENSP, por que surgiu o IMS? Qual é a razão desse projeto que vinha (...). R: Veja bem, quando a gente olha a ENSP hoje, o Instituto de Medicina Social hoje, se vê que haja muitas semelhanças, mas é preciso contextualizar isso na época; no início dos anos 70 a ENSP era uma instituição onde se tinha a Epidemiologia chamada Epidemiologia clássica, a gente tinha Arlindo Fábio Gómez de Sousa trabalhando com Ciências Sociais, Sociologia da Saúde, alguma coisa de Planejamento, mas toda uma proposta, digamos, articulada com a política sanitária existente, quer dizer, a ENSP naquele momento a meu juízo não tinha uma proposta renovadora do ponto de vista digamos da formação de recursos humanos, em termos de política sanitária, em termos da reforma sanitária que era um assunto que ainda não existia de maneira mais consolidada naquela época. O Instituto de Medicina Social, ele se formou pelo contrário como uma proposta muito renovadora nesse sentido, de uma pós-graduação diferente. Na verdade embora ele se chamasse, se chame até hoje, Instituto de Medicina Social, isso foi uma contingência da aprovação, da tramitação do processo da pós-graduação pelo Conselho Federal, quer dizer, exigia que fosse... era mais fácil que fosse Medicina Social, mas era já muito mais interdisciplinar, multi-profissional e com uma proposta bastante renovadora. A partir desse momento em que o Instituto já está criado, primeiro dentro de uma Faculdade de Medicina e depois sai em que a OPAS vem com esse olhar renovador a ENSP passa também a se reestruturar e a se estabelecer como digamos uma escola de vanguarda da reforma sanitária, digamos um braço acadêmico na vanguarda da reforma sanitária e depois na formação do Sistema Único de Saúde. E: Mas pra isso acontecer houve o projeto PESES/PEPPE, eu acho que esse projeto foi fundamental. R: O projeto PESES/PEPPE foi mais tarde, foi na segunda metade dos anos 70, esse período que eu estava me referindo quando o conheci, foi na primeira metade dos anos 70. PESES/PEPPE foi um colorário importante disso, eu acho que foi a ferramenta, digamos, financeira, de fomento, foi a FINEP quem fez, no sentido de ajustar esse novo projeto da Escola Nacional de Saúde Pública, o PEPPE no campo da epidemiologia e o PESES no campo das Ciências Sociais, na constituição do PESES, além das Ciências Sociais que já existiam na Escola de Saúde Pública, aí então a presença de Arouca foi decisiva. E: Agora a gente debateu um pouco naquele primeiro ponto, senti muito aquela colocação, que é aparentemente contraditório você estar no regime militar e você ter esse tipo de fomento à saúde pública, só então importante. E até hoje o Arlindo deu uma deixa mais interessante, parece que alguns projetos, o Geisel, ele avaliava pessoalmente, e esse, avaliou pessoalmente e quando se sugeria, quer dizer, era o PEPPE que sugeria no texto final que o PESES acontecesse, aí ele circula e diz que aprova e pretende providências imediatas e tal. Então eu queria que você comentasse mais um pouco, você falou um pouco, mas como é o seu entendimento? R: Essa questão de PESES e do PEPPE se deu num momento em que o governo era o Governo Geisel, neste governo existia uma Secretaria de Planejamento ligada diretamente à Presidência da República muito forte que era comandada pelo ministro Reis Veloso e como o secretário adjunto do Reis Veloso no Planejamento tem uma figura muito importante na minha opinião no desenvolvimento da ciência brasileira, não só na área de saúde, mas em geral, inclusive nas ciências sociais, que é José Pelúcio Ferreira. Pelúcio Ferreira ao longo dos anos 70 foi muitas coisas, quer dizer, isso era próprio do regime autoritário, foi presidente da FINEP a década quase inteira, ele foi vice-presidente do CNPq, ele era subsecretário de Planejamento, enfim, era um homem que detinha um poder muito grande, e a abundância de recursos que havia naquela época permitia que se fizesse muita coisa. Isso explica muito, mas não explica tudo, porque com muito dinheiro se você tem poucas idéias você pode fazer muito mal, as coisas que devem ser feitas, mas Pelúcio tinha uma visão muito, digamos consolidada em termos de um projeto de país, que eu acho que foi um? projeto do Governo Geisel, eu estou deixando de lado toda a questão política, de direitos humanos, durante? a ditadura o presidente Geisel continuou matando, perseguindo, não é disso que se trata, se trata por exemplo, pra fazer uma comparação aqui de imediato entendimento, da diferença entre os militares brasileiros e os militares argentino; ambos torturaram e mataram, os argentinos mataram muito mais do que a gente e além disso destruíram a ciência argentina, os nossos ao menos principalmente nesse período Geisel tiveram a possibilidade de não destruir tanto, e até construir como foi o caso pelas mãos de Pelúcio Ferreira. Bom, o que é curioso é que uma parte importante do espírito crítico do país estava nas universidades, nos institutos de pesquisa e esses institutos de pesquisas e essas universidades, este espírito crítico portanto, era um espírito crítico que tinha que ser usado praqueles que acreditavam que ciência, que tecnologia, tivessem um papel na construção do projeto do país, então eu fico imaginando o dilema na cabeça do ditador. O que eu acho importante é que houve uma compreensão de que era necessário inclusive lançar mão desses críticos do regime, muitas vezes críticos radicais do regime pra colocar recursos, pra construir instituições, pra construir projetos. Isso era o que acontecia especificamente nessa questão que você mencionou que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que era e é manejado até hoje com verbas da FINEP, os grandes projetos, os grandes projetos iam até a Presidência da República através da Secretaria do Planejamento da Presidência da Republica, e bem disse e provavelmente é verdade que o presidente da República lia alguns projetos, ele lia os projetos, diz que o Geisel lia tudo, não deixava ninguém, ele queria ler, e o que se conta exatamente, a nossa preocupação, a preocupação dos que fizeram o PESES/PEPPE, a minha participação foi muito periférica, eu participei da construção do PEPPE, mas de uma maneira bastante periférica, que naquele momento embora no Instituto de Medicina Social da UERJ eu estava me aproximando da Escola Nacional de Saúde Pública, onde eu acabei fazendo um concurso, passando num concurso, mas fui vetado pelo SNI, eu não vim pra cá por causa disso... Mas quando se construiu o PESES e o PEPPE, exatamente como as Ciências Sociais, um mínimo de espírito crítico a gente hipertrofiou o PEPPE, o PEPPE era supostamente mais neutro, epidemiologia, enfim, mais coisas técnicas e tal, e o PESES ficou um pouco subsumido em relação ao PEPPE. E aí a história que se conta é que foi isso, que o Geisel teria lido, essa notícia nos veio da FINEP, porque na época um dos diretores da FINEP que era o Fábio Celso Macedo Soares Guimarães, ele tinha muito contato com a gente, foi uma pessoa que ajudou muito na montagem desse projeto todo, e contou: “olha, o projeto foi ao Presidente da República, não só ele aprovou como ele achou mais importante botar pra frente o PESES, o projeto na área das ciências sociais?. Foi uma surpresa muito grande, mas eu acho que esse episódio pode ter um pouco de folclore. Eu não sei até que ponto isso aconteceu assim, mas é bem provável. Se não é verdadeiro inteiramente, eu acho que reflete esse momento na História do Brasil onde houve um projeto nacional e de potência regional, que teve uma série de defeitos, mas que tinha imensas qualidades principalmente analisando de hoje retrospectivamente, depois de ter vivido até a década de 90, onde a idéia do projeto nacional se espatifou no Brasil como em muitos outros países, por conta do processo de globalização. E: De qualquer modo eu acho que também é um marco no sentido dessa passagem da medicina preventiva pra medicina social, quer dizer, essa entrada das ciências sociais com muita força na discussão desse campo de uma medicina sanitária. R: Certamente, certamente, quer dizer, foi numa expressão mais conceitual, você teve o aparecimento daquilo que se chamava, chamamos epidemiologia social, daquilo que foi digamos uma visão marxista de uma sociologia da saúde até então nas ciências sociais, quer dizer, o que era hegemônico era o funcionalismo, a sociologia funcionalista norte-americana, e naquele momento então bastante em voga uma medicina sanitária, digamos, marxista, tudo isso então se conformou nesse caldeirão de idéias que acabou digamos desenhando a reforma sanitária brasileira. Algumas experiências práticas internacionais importantes. Lembro-me imediatamente da reforma psiquiátrica, do Franco e da Franca Basaglia na Itália, enfim, coisas dessa natureza, mas esse era o momento que também? internacionalmente? tinha coisas acontecendo e tal. E: Dessa efervescência, e os resultados dessa pesquisa assim, estão arquivados em algum lugar, desses dois projetos? R: Do PESES e do PEPPE, não sei, o problema é que na verdade esse não era um projeto no sentido, algo que tenha início, meio e fim. A FINEP e o FNDCT tinham uma modalidade de apoio financeiro que chamavam de projetos institucionais, que eram projetos que construíam, ou do ponto de vista inaugural ou do ponto de vista de consolidação de instituições, quer dizer, do que se tratava? Se tratava de dar condições à Escola Nacional de Saúde Pública, condições físicas, materiais, gente, porque pagava salário também, para fazer frente a uma nova concepção, fazer frente há uma nova concepção, fazer frente, então o sujeito dava um projeto, eu não me lembro o valor do PESES e do PEPPE hoje em dia. O Arlindo sugere 30 milhões, é por aí, alguma coisa dessas de reais, pra você ver então, 10, 12 milhões de dólares assim. Isso hoje em dia não existe mais no Brasil, se existe é muito pouco. E: mas você acha que as teses centrais ou produtos mais importantes foram incorporados à saúde pública de alguma forma? Quer dizer, eles cumpriram o seu papel. R: Sem dúvida nenhuma, eles cumpriram, isso foi um papel pra fora, mas eles transformaram a Escola Nacional de Saúde Pública numa escola de vanguarda, hoje em dia a escola é de longe o principal centro formador de recursos humanos e em termos de avanço do conhecimento em boa parte das áreas da saúde coletiva. E eu acho que o PESES e o PEPPE, eu acho que essa movida de meados da década de 70 tem um papel decisivo nisso, e aí que entra Arouca, porque Arouca foi uma liderança, uma das lideranças capitais nesse processo. Claro que há outras instituições que também participaram disso, mas a ENSP teve um papel importante para o processo da reforma. E: Reinaldo, eu tenho uma impressão assim, de que esse movimento da década de 70, da saúde, ele foi muito bem construído no Brasil, do ponto de vista da articulação política, da agenda técnica e etc, e a sensação que eu tenho é de que diferentemente de muitas outras áreas se a gente colocar isso na arena inclusive internacional o Brasil tem uma coisa muita bem consolidada nessa área, a produção da saúde nossa, o Estado enquanto realmente um promotor de projetos e tal, e eu acho que tudo isso que a gente está conversando, esse resgate da memória do Arouca, esse período que se passa; a sensação que eu tenho é que se teve a capacidade de construir um projeto mesmo de Estado. Eu queria que você comentasse um pouco isso, esse trabalho aqui nosso tem um aspecto, a questão do Arouca ser como pessoa, os valores dele, etc, mas a principal contribuição sem dúvida é a gente tentar entender melhor aonde é que a gente está vendo, aonde a gente está pisando e quais os caminhos que podem ser traçados e trilhados. Eu gostaria que você comentasse um pouco isso, por que essa é a sensação que eu tenho, de que a gente consegue saldar uma agenda de um povo, e em termos da saúde e fazer essa relação entre o que vocês produziram, o que foi gestado nesse período, e o que se tem hoje. R: Olha só, Guilherme, é tão fácil; depois de tudo tendo passado, a gente arrumar as pedras pra tentar construir um caminho real, uma história em linha reta, não é assim, quer dizer, primeiro eu acho que não havia, havia um projeto de Estado na cabeça de cada um, a grande maioria dos atores era composta de militantes de esquerda dos mais variados matizes e a esquerda tinha um apelo tão forte que até Michel Foucault virou de esquerda no Brasil, até Lacan era “esquerda?, porque na Europa Lacan se considerava “a direita da psicanálise?, então digamos que o projeto de Estado entra como uma coisa difusa, nós vivíamos uma ditadura, todos os campos da esquerda e aquilo que se achava que era esquerda, mas não era, se unia dentro de um campo digamos de luta pelas liberdades democráticas. Mundos liberais tiveram também nesse processo e eram todos também amalgamados numa perspectiva de esquerda, enfim, o projeto de Estado era uma coisa que eu acho que ia menos na prática profissional, ou político profissional, ia mais na prática partidária da militância de cada um, o que eu acho que existia mais estruturado como atuação político profissional, era... não era uma proposta de Estado mas era uma proposta de política de saúde, reforma sanitária, que é um aspecto, um componente de política de Estado, projeto de política de Estado, isso realmente existia. Bem, o aprendizado foi longo, porque se se desenvolveu muita coisa boa em termos de idéias, em termos de coisas novas que apareceram, no campo do planejamento, no campo da epidemiologia, no campo das ciências sociais, se desenvolveu muita coisa que acabou ficando, foi pra lixeira. Veja só um exemplo na minha área, na minha então área, a coisa da epidemiologia: nós tínhamos uma visão extremamente digamos crítica em relação aos métodos da epidemiologia? que a gente chamava clássica utilizava e se desenvolveu pouco na Europa, nada nos Estados Unidos, alguma coisa na América Latina, muito no Brasil, de uma chamada epidemiologia crítica, epidemiologia social e assim por diante. Muito disso simplesmente sumiu, desapareceu, não foi sequer incorporado no corpo da reforma sanitária, então quer dizer, seria fácil dizer que houve um caminho real, toda a postura crítica desembocou numa proposta acabada de política de Estado, mas não é verdade isso, muita bobagem, muita infantilidade, muita inconseqüência, agora um núcleo de idéias pesado, um núcleo generoso também em termos de postura política geral, de conceitos como universalização, a hierarquização, essas coisas, isso é o que ficou, e não é pouco não, eu não quero deixar uma idéia de que era um bando de tontos, não é isso, ao contrário, agora eu não posso passar a idéia de que foi uma arquitetura inteiramente planejada. Tivemos uma grande sorte, esse conjunto de idéias se desenvolveu num momento de resistência ao regime autoritário, mas que a partir de meados dos anos 70, já começou a dar sinais de decomposição, ao menos em a sua face mais repressiva, e na década de 80, e a partir de 85 tivemos um desabrochar democrático então depois de construir, pôde transformar em política pública aquilo que foi pensado durante um monte de tempo. Tem que dizer, essas coincidências, digamos assim, essas coisas que a história arruma e desarruma, sem a gente mesmo nem saber porque inteiramente, sem uma pré-determinação quer dizer, isso é muito importante pra gente poder analisar esse período. E: Reinaldo, como era esse seu contato com o Arouca, sua relação com o Arouca todo esse tempo desde... R: Eu tive contato mais próximo com Arouca nesse início dos anos 70, depois eu passei a ter contato com o Arouca, deixa ver... Aí já não foi mais tanto no movimento sanitário, mas em 71 eu me formei. Em torno de 75, 76, eu não me recordo mais, eu fiz parte do Comitê de Intelectuais do estado da Guanabara do PCB, aí voltei a fazer contato com o Arouca que eu não sei se o Arouca teve uma militância linear no Partidão, eu acho que ele deve ter tido uma maior militância, mas aí eu acho que há outros depoimentos mais firmes que o meu, mas tem um momento em que a gente se encontrou na área de políticas intelectuais e tal, depois disso também se acabou no final dos anos 70, eu me desliguei do PCB em 1978, porque o PCB não atendia mais aos objetivos de uma transformação social, Arouca continuou e aí o meu contato com Arouca foi um contato mais ou menos esporádico, enfim, amigos, mas nem sempre num projeto comum, o Arouca estava aqui, eu estava no Instituto de Medicina Social esse período todo, até a Nova República. Na Nova República tivemos de novo um contato importante, Arouca veio ser presidente da Fiocruz, eu era presidente da FINEP, e a gente em 86 ou 87 fez um grande, como se fosse um novo PESES / PEPPE mas aí não pra Escola de Saúde Pública, foi um apoio institucional para o conjunto da Fiocruz e muito dirigida à pesquisa biomédica da Fiocruz, que naquele momento atravessava uma crise de algumas proporções, aí houve de novo uma aproximação, eu diria esses 3 momentos. Mais recentemente agora, finalmente no Governo Lula a gente se reencontrou, eu lamento muito que tenha sido por um tempo tão curto, no Ministério da Saúde, ele como Secretário de Gestão Participativa e eu como diretor lá do DECIT. E: Você participou da construção do CEBES? R: Eu participei da construção do CEBES, não tive um papel também central nisso, mas eu, se não me engano, a primeira diretoria do CEBES eu acho que o Arouca era o presidente, se não me engano. E: Eu acho que a segunda. R: Segunda? E: A primeira foi que aquele de São Paulo... foi o Rubens. E: José Rubens. R: Eu acho que foi o contrário, gente. E: Não. O Arouca saiu quando foi pra Nicarágua, aí passou o mandato pro Temporão. R: Eu fiz parte da diretoria, eu acho que da primeira ou da segunda direção do CEBES, eu não me lembro mais. Eu sou do Comitê Editorial de Saúde em Debate, mas não é nada que mereça grandes registros. O legado do Arouca é um legado muito grande, e aí é grande por causa da reforma sanitária, da construção do SUS. Eu curiosamente onde eu pude acompanhar com mais atenção, embora não necessariamente com mais proximidade a atuação do Arouca, foi aqui na Fiocruz a partir de 1985, porque aí o Arouca pegou uma instituição, era uma instituição em crise, não tenho nenhuma dúvida disso, quer dizer, ele tinha que se fortalecer no processo de construção da reforma sanitária, agora o Instituto Oswaldo Cruz, outras unidades da Fiocruz vinham muito complicadas, porque sofreu muito com o Massacre de Manguinhos em 70, nunca se recuperou direito da ditadura. O Arouca ele não pôde, ele não podia apenas digamos, manejar a instituição que já vinha navegando, eu acho que ele tem que reformatar a instituição, ele reformatou, ele reinventou a Fundação Oswaldo Cruz, eu acho isso importante de registrar. O que eu chamo de reinventar? Primeiro no sentido de reformar a instituição, fazer com que a Presidência da Fiocruz fosse um ente, quer dizer, a Fiocruz fosse uma instituição e não um aglomerado... Fita 1 – Lado BR: E aí também tem que citar outras pessoas que tiveram no meio do processo como Carlos Morel, enfim, são quase todos daí mesmo. Terceiro que eu acho admirável foi estabelecer com a Fiocruz um pacto de gestão democrática que é muito original, muito curioso, muito trabalhoso, não tenho mais nenhuma dúvida disso hoje, vendo mais de perto, mas extremamente original e digamos positivo, construtivo do ponto de vista institucional. Eu costumo dizer – eu que vivi a maior parte da minha vida numa universidade – que eu conheci o sindicalismo universitário da UERJ, e quando a gente compara o nível do sindicalismo da UERJ com o sindicalismo da Fiocruz é uma diferença radical, radical, radical, em termos de compromisso institucional, em termos de digamos tensão, sinergia com a direção da Fiocruz, e eu acho que este pacto foi Arouca quem construiu, aí ele teve um papel absolutamente central e curiosamente, agora de maneira muito recente já no Governo Lula quando o Arouca... Quando foi criada a Secretaria de Gestão Participativa pra dar pro Arouca, eu primeiro fui... Logo que eu soube que? iria se criar outra Secretaria e ele ia pra Secretaria, eu refleti comigo mesmo: “olha, não vai dar?, essa Secretaria foi criada só para uma pessoa, se essa pessoa não exitir... Eu não tinha nenhuma idéia que o Arouca ia deixar de existir, mas uma coisa que foi criada pra uma pessoa só, porque só tinha uma pessoa pra tomar conta daquilo (...) Eu fiquei muito limitativo com isso, mas certamente a Secretaria de Gestão Participativa foi criada para que ele pudesse tentar em nível nacional reproduzir, aplicar, essa estruturação que ele conseguiu fazer na Fiocruz que é admirável. Eu acho que a pessoa, a pessoa aqui que mais absorveu isso é Paulo Gadelha, eu diria que ele é um fiador perpétuo desse pacto, é a montagem de congresso, é um ataque nos planos quadrienais, essa coisa toda, tudo isso deu num método institucional onde Arouca tem a mão dele em cada coisa que se faz... E: Quer dizer, ele mexeu com a cultura? R: Ele mexeu com a cultura institucional e olha, pra mexer com a cultura institucional numa instituição com 10 ou 15 anos de idade, era naquele momento uma instituição quase centenária já, e mexeu positivamente, mexeu sem quebrar, não foi um macaco em loja de louça, essa é a construção que eu acho admirável ver. E: E você diz assim, quer dizer, só tentando exemplificar um pouco o que você está colocando no sentido de parcerias, no sentido de visibilidade da instituição você está me lembrando uma conversa que nós tivemos com Gadelha, ele muito animado com aquele trabalho que eles fizeram lá no Riocentro na Exposição da Ciência. Que teve essa idéia de levar a ciência pra população, por exemplo, essa fala que está prescrita, o cientista se abrir, todo cidadão merece. R: Também, também, esse é um pedaço de Gadelha, de divulgação da Ciência, de popularização da Ciência, é um pedaço dele, que aí eu acho que a contribuição maior é dele, da Casa de Oswaldo Cruz que foi uma coisa fundamental que Arouca deixou no papel, mas eu estou falando mais é da organização de tudo isso, é pegar uma instituição completa como a Fiocruz e enfim, dar um lugar pras coisas; as fábricas têm lugar, uma Casa de Oswaldo Cruz tem lugar, um instituto centenário como o Instituto Oswaldo Cruz tem lugar, descentralizar Bahia, Pernambuco, Brasília, enfim, Arouca foi uma reformatação da instituição. E: Reinaldo, e é interessante que até mesmo a escolha dos pares faz parte disso, duas pessoas que a gente entrevistou, que vieram a trabalhar com ele sem dúvida com a outra parte da contradição. A Sônia Fleury diz que quando o Arouca foi ao IMS falar do resultado da tese dele, em que lembra a discussão do marxismo, ela levanta e diz pra ele que discordava. Pouco tempo depois ele chama ela pra se integrar ao PESES, a partir inclusive das colocações que ela faz; e o outro é o Gadelha, que eles se conhecem no movimento sindical, o Gadelha está organizando uma greve se eu não me engano de residentes. R: Mas ele era PT. E: É, o Arouca faz uma assembléia em que ele faz uma série de argumentações, consegue virar a assembléia, mas depois o Gadelha reverte. R: Se eu puder dar um depoimento pessoal do Arouca e aí eu vou tomar emprestado algo que Lúcia Souto é quem diz: o Arouca era um cidadão capaz de extrair o melhor de cada indivíduo. Isso é uma expressão pra mim absolutamente precisa, ele se dava com Deus e o mundo, conversava com Deus e o mundo, não arredava pé das coisas que pensava, mas tinha uma capacidade de tentar extrair do interlocutor aquilo que ele achava o melhor, que é também uma coisa fantástica (...) E: Está ótimo. Será que é possível fazer o que ele fez aqui assim no macro? R: Ah, eu acho que sim, não é tarefa pra uma só pessoa. |
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