José Carlos Manço
Professor titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP (atualmente aposentado). Presidente da Associação Amigos do Memorial da Classe Operária – UGT. Foi colega de juventude de Arouca.

(Ribeirão Preto - 21.01.2005)

José: Meu nome é José Carlos Manço. Eu sou médico formado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da turma de 1962. Eu não fui, digamos assim, uma liderança do movimento estudantil, mas, evidentemente no período que precedeu o golpe de 1964 nós todos estávamos envolvidos nas discussões políticas. Então, o meu maior envolvimento se deu no período que depois da renúncia de Jânio Quadros havia um movimento para impedir a posse do Jango. Foi nessa época que eu tive uma participação mais ativa que eu me recordo, que eu era então estudante de Medicina e, nos últimos anos, nós tínhamos como ponto de reunião a União Geral dos Trabalhadores que é este prédio que nós estamos aqui, agora vendo e participando desse documentário. Também me lembro desse que era um palco muito importante onde nós tínhamos a reunião de trabalhadores da cidade, e de trabalhadores do campo, e estudantes secundaristas, estudantes universitários. Daqui, após as discussões, após as tarefas que nós assistíamos, nós saíamos em passeatas naquela ocasião, como eu já disse, defendendo a posse de João Goulart. Então, esta foi a minha participação depois dos anos que se seguiram ao golpe de 1964. Esse espaço, que era um espaço de lutas democráticas, um espaço de união de trabalhadores da cidade e do campo, de parcelas da sociedade que aspiravam por uma transformação e aspiravam pela manutenção do regime e pela posse de João Goulart. Então, os partidos de esquerda tinham aqui nesse local o seu ponto de encontro, mas na manhã do dia 1º de abril de 1964, esse espaço foi tomado pelas forças de repressão, pelas forças golpistas ou mais especificamente, pela polícia civil com um delegado de polícia acompanhado de seus homens que aqui entrou e tomou esse espaço. Os trabalhadores, nesse início de regime de exceção, num ato de extrema violência contra a parcela democrática da sociedade que tinha nesse espaço um local de encontro das lutas democráticas, e nós fomos subitamente privados desse espaço. Esta época que se iniciou então com o golpe de 64, eu já era então formado já iniciava a minha carreira de docente na Universidade de São Paulo, na faculdade de Medicina, então as minhas referências são de colegas da faculdade e estudantes que continuavam, que já vinham nas lutas do movimento estudantil e que continuaram mesmo depois do golpe de 64, mas aí já atuei mais como observador, quer dizer, nós lutávamos dentro das possibilidades contra o regime que se instalou em 1964, mas já numa outra posição. Eu acompanhei essa perseguição que ocorreu dentro da universidade, os estudantes e jovens daquela época e, entre os quais estava aí então o Sérgio Arouca que nós pudemos acompanhar embora não houvesse aí um contato direto e mais participativo com ele, mas nós éramos conhecedores de sua luta, das reuniões que ele vinha promovendo aqui mesmo dentro desse espaço antes do golpe de 1964. Representações teatrais, palestras, propostas para a sociedade, propostas vamos dizer assim progressistas. A história dos sindicatos de Ribeirão Preto passa obrigatoriamente por esse espaço da União Geral dos Trabalhadores. Depois de 1964 ele foi tomado e teve várias destinações como clube, escolas profissionalizantes, e ele só foi realmente retomado em 2003, e depois isso poderá ser mais bem detalhado pelo Doutor Marcelo Goulart, por um acordo patrocinado pelo Ministério Público Estadual, mas com o envolvimento de outros setores da sociedade, de organizações não-governamentais e várias outras pessoas e entidades num acordo resultante de danos ao patrimônio provocados por uma firma de Ribeirão Preto. Dentro desse acordo, como que uma reparação pelos danos causados a esse patrimônio, entrou nesse acordo a recuperação de alguns espaços aqui de Ribeirão Preto e um desses espaços foi esse prédio da União Geral dos Trabalhadores. Esse espaço depois de ter passado por um processo de restauração ele passou a abrigar o Memorial da Classe Operária – UGT. O que nós temos então aqui nesse espaço é a continuação da luta democrática, de uma luta de transformação social. Então nós reunimos aqui estudantes secundaristas, universitários, comerciários, trabalhadores rurais, trabalhadores da cidade e intelectuais. É um espaço aberto onde nós continuamos aqui as nossas discussões de natureza política e não ficando só nas discussões teóricas mas é um local também onde nós elaboramos propostas que se traduzem em ações concretas visando a transformação da sociedade. Por exemplo, de apoio à reforma agrária, nós temos aqui muitas reuniões com a participação dos trabalhadores do Movimento dos Sem Terra; nós temos participação de estudantes, quando nós discutimos aqui a reforma universitária; nós discutimos aqui a preservação do nosso patrimônio histórico, arquitetônico e cultural; nós lutamos pela preservação do meio ambiente natural; temos importantes discussões sobre os nossos recursos hídricos principalmente o aqüífero Guarani; nós temos um projeto em desenvolvimento envolvendo comunidades carentes aqui da região de Ribeirão Preto no sentido de estimular a economia solidária, o cooperativismo, então é uma gama muito grande realmente de construção da sociedade dentro de uma visão que foge da visão dominante atual dominada pelo neoliberalismo, pelas forças de mercado.

Regina: Quer dizer então que aquele sonho acalentado pelos comunistas, inclusive pelo Sérgio Arouca no pré 64 continua transmudado aqui nesse espaço.

José: Com certeza. Dentro de uma nova realidade mundial acredito, pelo depoimento de pessoas que vivenciaram aquela época e pelo o que eu conheço da vida do Arouca eu digo que sim. Eu acho que nós estamos honrando o que era o projeto daquelas pessoas que aqui batalharam, que em função disso foram presas. Eu acho que nós estamos tentando honrar o que foi o compromisso daquelas pessoas. Nós estamos levando a bandeira adiante.



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