José Carlos Arouca Advogado trabalhista defensor de diversos sindicatos, ex-militante do PCB/PPS. Irmão de Sérgio Arouca. (São Paulo - 11.07.2005) JC: José Carlos da Silva Arouca. Atualmente juiz do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região, onde entrei pelo quinto reservado aos advogados. Antes disso, entrei em 1959, há cerca de quarenta anos, sempre na Justiça do Trabalho e sempre em função de sindicatos de Trabalhadores. Regina: Eu acho que seria interessante, José Carlos, se o senhor começasse falando da sua relação com o Sérgio Arouca, né? Começar falando assim... porque a sensação que a gente tem conversando com as outras pessoas é que você era assim uma espécie de herói, aquela figura que ele queria imitar, tem uma... quer dizer teve até uma certa época que ele quis fazer Direito, né? Quer dizer tinha... Então, eu queria que você falasse um pouco dessa relação de vocês assim... JC: Tá bom, eu pensei que fosse só apresentação. Então, vamos lá. Guilherme: Não precisa retomar não, pode ir ato contínuo. JC: A minha relação com o Sérgio começa quando ele nasceu, é uma diferença de sete anos. E nós morávamos em Ribeirão Preto, meu pai funcionário da Caixa Econômica do Estado, minha mãe do lar, e toda família muito perto no bairro chamado Sete de Setembro em Ribeirão Preto. Então, ele nasceu e eu era uma espécie de babá dele, eu cuidava dele e aí ele cresceu e sempre me acompanhava a toda parte, e a nossa vida era uma vida muito interiorana mesmo. Eu era uma figura... a nossa trajetória sempre foi a escola pública. Eu era aluno do primeiro grupo escolar e depois do grupo fui pro ginásio do Estado, depois do ginásio do Estado para o colégio do Estado e ele a mesma coisa. Ele fez também esse mesmo percurso. A dois, três quarteirões da minha casa ficava o armazém do meu avô que era um português imigrante. Na esquina da nossa casa um armazém de um tio meu também português imigrante, os dois vieram para lavoura do café em Ribeirão Preto. E por ali moravam todos os parentes. Então, o Sérgio teve esse contato muito intenso comigo. Agora eu era uma figura muito inexpressiva naquela época, eu era um menino... não era de jogar bola, não era de muita coisa, eu era muito era carola, não saía da igreja. Nunca fui coroinha, nunca fui nada, mas quase que entrei para o convento. Eu não entrei porque meu pai ele impôs uma condição, você só entra quando tiver com a idade de compreender as coisas. Isso responde a minha formação política que no interior em Ribeirão Preto foi praticamente nenhuma. Na minha família não havia políticos, nem militância tradicional, naquela época era o PTB do Getúlio Vargas, o meu pai tinha participado da Revolução Constitucionalista que o PTB não gostou. Meu pai tinha participado da Revolução Constitucionalista e era anti-getulista naquela época. Então, mas... o meu avô, o meu avô... um tio por parte da minha mãe, José Gomes da Silva, teve uma projeção política, mas não de participação, ele era engenheiro agrônomo e o filho dele teve agora até participação no governo Lula. E o meu avô em razão desse meu tio era “udenista?, se dizia “udenista?, mas era participação política nenhuma praticamente. E eu sei que com isso eu tinha uma vocação muito grande para o Cinema, teórica, eu lia muito sobre o Cinema naquela época e eu queria fazer Cinema, queria ser diretor de Cinema. E eu era muito ligado à Música Popular Brasileira também, eu vivia naquela época em Ribeirão Preto eu era um ouvinte da Rádio Nacional e eu ouvia aqueles cantores e o meu negócio era Música Popular Brasileira. Então, eu tinha uma vontade muito grande de ir para São Paulo. Quando eu vim para São Paulo, eu vim... eu comecei no Científico naquela época, no Curso Científico e no 2º ano eu passei para o chamado Clássico. Então, eu e já alguns amigos do meu grupo, da minha turma, já estávamos propensos a fazer a Faculdade de Direito. Naquela ocasião o grande entusiasmo era Advogacia Criminal, a gente assistia a aqueles filmes americanos de júri e ficava entusiasmado com aquilo. E eu vim e fiquei na casa da avó de um desses amigos, no Belém, e apenas estudando, não fiz cursinho não fiz nada, apenas estudando, mas comecei a ter alguma visão política por minha conta, vendo fábricas, vendo os operários, vendo aquilo e entrei na faculdade. Entrei e daquela turma toda fui o único que entrei, consegui passar. Então, foi aí exatamente nesse período de estudante em que eu comecei... eu dei uma virada muito grande de um espiritualismo muito intenso, eu tinha uma formação católica muito grande. E eu comecei a me interessar por isso e eu comecei... entrei na Faculdade de Direito e me intitulando socialista. Eu me dizia socialista e nenhuma formação política, nada, nada. Regina: Faculdade de Direito em Ribeirão Preto? JC: Não, não. Faculdade de Direito na famosa São Francisco, no Largo de São Francisco em São Paulo. E eu me lembro muito bem que uma vez já chamando atenção, eu fui para um comício no Teatro de São Paulo pela paz e lá na saída imagina quem saiu comigo e saiu porque tinha ido fazer... pela participação do ato público, o Silvio Caldas. E eu me lembro que eu saí e comecei a conversar com o pessoal e todo mundo entusiasmado com aquilo e conversei (não me lembro o nome dele), com um rapaz que era da Politécnica da Engenharia, e ele falou: olha, eu sou da Juventude Comunista. Mas, eu tinha muito interesse em conhecer, aí ele falou: então, vou mandar uma pessoa te procurar. E na faculdade quem foi me procurar foi a Ioli, não sei o sobrenome dela, sei que ela é filha, irmã do Rio Branco Parente, um dos maiores advogados criminalistas que teve aqui no Brasil. E eu sei que a partir daí eu entrei para a UJC, União da Juventude Comunista, mas tive... saí daquilo lá e a minha militância passou a ser para política universitária. Então, quer dizer, eu comecei a participar de todos os congressos da União Estadual, União Nacional e a minha participação era muito útil, muito em função do movimento universitário. Regina: Que ano isso? JC: Isso de 55 a 59. Então, a minha participação interna foi muito intensa, o meu apelido na faculdade passou a ser “Kruschev?. Então, isso responde para mim a seguinte questão, eu tinha uma linha do socialismo democrático. Então, eu era muito questionado sobre aquelas histórias do Stalin e a invasão da Iugoslávia, invasão da Tchecoslováquia e não sei o que, eu dizia o meu socialismo é outro. O meu socialismo é um socialismo democrático, de igualdade, de fraternidade, de direitos, de obrigações e tal e isso não tem nada a ver comigo. Então, o Kruschev exatamente estava significando isso naquela ocasião e o meu apelido passou a ser esse na faculdade. E aí aquela mística também do estudante profissional, o estudante que ia para faculdade ou para escola apenas para fazer política. E eu tive uma passagem muito tranqüila pela faculdade, não ficava... eu era aprovado sempre, não fui reprovado nenhum ano. Trabalhava, eu comecei a trabalhar num escritório de advocacia e em função da política universitária no 3º ano eu fui ser diretor no Departamento de Apostilas e nós imprimíamos, porque naquela época eram taquigrafadas as aulas dos professores e ali nós tínhamos uma gráfica, no Centro Acadêmico, onde nós imprimíamos e vendíamos a preço de custo as aulas para os alunos. No ano seguinte eu fui para o Departamento Jurídico XII de Agosto, que era pioneiro, disso sabia a procuradoria do Estado, que era assistência judiciária gratuita, era um “Pronto Socorro?. E aí começa então uma nova fase, eu fui vetado para o Departamento porque a política naquela ocasião, nós estávamos numa oposição contrária ao presidente do Centro Acadêmico e ele vetou a mim e ao Kasu Watanabe que foi desembargador, recentemente aposentado. Mas aí nós dois conseguimos entrar para o Departamento Jurídico e o diretor do Jurídico que era independente, Mário Lima, ele falou: olha, Arouca, você não só vai entrar, mas vai ser um dos diretores do Jurídico. E me colocou como secretário do Departamento Jurídico. O Departamento Jurídico funcionava da seguinte maneira, nós tínhamos um funcionário que era um rapazinho que ficava com um caderno anotando as pessoas que chegavam: o que você quer? Não sei o que. E Trabalhista, ninguém queria fazer Trabalhista e como eu era diretor então esse Mário Lima falou: olha, você tem que dar um jeito nisso. E o jeito que eu dei foi o seguinte, eu vou esperar até cinco horas da tarde, os coitados ficaram lá até cinco horas esperando, às cinco horas eu começo a distribuir eles para os demais estagiários, mas no fim quem acabava fazendo era eu. Então, com isso eu entrei pra Advogacia Trabalhista. Chega na metade lá do estágio um advogado, Valter de Mendonça Sampaio se candidata, ele era do partido, se candidata a Deputado Federal. E ele era advogado de inúmeros sindicatos e ele manda procurar um estagiário para ir ajudá-lo já que ele ia fazer campanha e aí eu entro nos sindicatos como auxiliar dele. Logo depois, então uma figura extraordinária com uma das maiores lideranças na política universitária daquela época, José Oscar Pelúcio Pereira, ele era advogado do Sindicato dos Laticínios, dirigido pelo famoso Luiz Tenório de Lima, militante do partido, foi presidente da Federação da Alimentação, diretor do CGT e da Construção Civil, o presidente era o Louzada, morreu agora recentemente não faz dois meses. E aí o José Oscar acaba indo para Brasília e eu fico substituindo ele na base da amizade, enquanto ele estava tratando de uns problemas particulares em Brasília. E ele me liga um dia e diz assim: olha, Arouca você começa a assumir esse sindicato porque eu não volto mais para São Paulo. E começou com isso a minha carreira no movimento sindical, e a minha carreira no movimento sindical teve essa característica. Os sindicatos que eu passei a assistir eram sindicatos ligados ao Partido Comunista. Então, a minha militância saiu do movimento estudantil para o movimento sindical. E eu de certo modo passei a virar não muito teórico, marxista teórico de política, mas teórico de movimento, sindicalismo, tanto é que eu acabei escrevendo vários livros, tenho vários livros publicados e todos eles sobre o sindicalismo. Essa é a minha participação no movimento político; eu militei no Partido Comunista o tempo todo, eu acabei sendo preso, processado em 1964 eu, com a Lei de Segurança Nacional, eu me intitulei juiz do Tribunal do Trabalho pelo quinto dos advogados porque eu sempre fiz questão de falar isso. Porque em 64 eu prestei concurso para juiz e fui um dos primeiros colocados, mas nunca me nomearam nem mesmo quando eu ganhei um mandato de segurança no Supremo Tribunal Federal para ser nomeado, mesmo assim não me nomearam. Então, essa aí é a minha parte, minha parte de política, eu me filiei depois ao PPS e ainda inclusive no período da Perestroika eu fiquei muito entusiasmado porque isso renovava aquela minha posição de socialismo democrático, né? Mas, entrando na Magistratura por força de lei eu fui obrigado a me desfiliar e desvincular de qualquer posição política partidária. Eu não tinha nenhuma obrigação em renegar idéia, mesmo assim os meus discursos de posse como várias outras manifestações sempre tiveram um cunho político, essa era minha parte. Vincular isso ao Sérgio, é interessante da seguinte maneira: eu acho que só indiretamente eu influenciei o Sérgio, porque o Sérgio sempre teve uma vida muito própria, uma vida muito diferente, uma infância muito diferente da minha. O Sérgio era um excelente jogador de futebol, o Sérgio ele... tanto assim que naquela ocasião nós tínhamos um time lá em Ribeirão Preto, o Botafogo, existe até hoje, mas a grande coisa era um dos jovens de repente receber um convite para ir treinar, fazer um treino exibição no Botafogo e ele foi convidado. Então, ele poderia até mesmo ter enveredado pelo futebol, pelo profissionalismo. E ele tinha uma vida assim muito ampla, muito alegre, tinha muitas amizades, ele era uma figura muito popular. Então, eu estando em São Paulo e ele em Ribeirão Preto, acredito que sim, havia... Regina: José Carlos, só um minutinho porque eu vou te interromper porque eu estou achando muito interessante o que você está falando, eu queria que você falasse olhando mais para gente porque a gente, sabe... para gente poder... dá para repetir um pouquinho essa parte que você está falando que ele era um grande jogador de futebol, e que... JC: O Sérgio, ao contrário do que eu fui na infância, ele era uma figura muito alegre e expansiva, um excelente jogador de futebol. Naquela ocasião nós tínhamos em Ribeirão Preto o Botafogo (que existe até hoje) e um dos grandes sonhos dos jovens era receber um convite para fazer um treino exibição no Botafogo que significava uma possibilidade de fazer carreira no futebol e ele foi convidado para isso. Ele tinha também uma posição muito forte na Literatura, eles criaram em Ribeirão Preto um centro de debates se eu não me engano era um professor de Filosofia, foi ele quem criou esse centro de debates e o Sérgio teve uma participação muito intensa; uma colega dele e até essa fotografia eu não tenho, é ele e ela recebendo um troféu, a Walderez de Barros, essa atriz que está hoje muito em evidência, está inclusive na novela que está sendo exibida. Então, o Sérgio era isso, eu não sei, portanto eu não acredito... Então, continuando no centro de debates. Então, o Sérgio... o que houve sem eu saber,? talvez eu exerci sobre ele uma influência indireta, não diretamente, pelo contrário, a minha posição política era muito ostensiva. Quando eu ia a Ribeirão Preto eu comecei a colaborar no Diário de Ribeirão Preto, cujo redator chefe era o Luciano Lepera, eu chegava em Ribeirão Preto e já me apresentava como uma pessoa do Partido Comunista, tinha lá o Antônio Girotto, aquele pessoal todo, mas meus pais nunca se preocuparam com isso não, eles achavam que eu era... que eu tinha essa formação mesmo ou que eu era para ser um grande carola, para ser um católico ou era para ser um político, assim... Regina: Um grande comunista... JC: É. Não houve por parte deles muita preocupação, por parte de nenhum deles, não causei espanto nenhum na minha família. Então, o Sérgio pelo que eu soube passou a ter um contato muito direto... na minha esquina, minha rua chama Rua Florêncio de Abreu, após ela em direção à cidade a Rua São José onde tem a Igreja São José. No quarteirão de baixo tinha o famoso Mantovani, dois irmãos sapateiros daqueles “anarco-comunistas?, e a sapataria deles era ainda aquela sapataria de banquinha que eles ficavam quase que sentados no chão martelando os sapatos; e lá era uma tarde de concentração de velhos comunistas. Na mesma Rua São José atrás do lado de cima tinha a Barbearia do Sr. Ferraz, também comunista de um centro lá de militância de velhos comunistas. E o Sérgio fora de dúvida ele teve uma influência direta deles e do Lepera, Luciano Lepera que era jornalista, foi Deputado eleito pelo PTB também naquela época, mas sabidamente comunista. Regina: Nós quando estivemos em Ribeirão, impressionou muito essa história que você está contando desse sapateiro Mantovani, porque é um personagem interessante... JC: E o filho dele, o velho sapateiro, ele tinha dois filhos e os dois filhos se formaram médicos. Regina: Nós chegamos a entrevistar um deles. JC: O mais amigo do Sérgio, o caçula? Regina: É. Eu não me recordo o nome dele. Bernardo. Porque o outro não estava, ele estava viajando. Então, nós conseguimos entrevistar o Bernardo. Uma coisa que me impressionou também nesses relatos, é que a sensação que eu tenho é que Ribeirão Preto nessa ocasião era um lugar assim de certa forma especial porque parece existir uma boa escola pública onde tinham bons professores, onde tinha... quer dizer toda um série de pessoas, adultos, quer dizer desde o sapateiro até o professor da escola que era interessante para os jovens. Quer dizer, os jovens tinham uma formação. Então, nós entrevistamos um outro senhor que falou de tribunais... JC: Era esse fórum de debates. Regina: Fórum de debates, né? Então, uma escola muito atuante onde os alunos... JC: Eu inclusive fui convidado, eu tive uma vez lá para participar, eu acho que eu fui falar sobre a Escola de Direito, a formação de Direito. O Sérgio então com isso... ele estava na faculdade de Medicina, entrou muito bem no vestibular, teve uma participação muito grande na faculdade no Centro Acadêmico e talvez exatamente por influência minha, chegou um momento que ele se desgostou e achou que a vocação dele era política mesmo e resolveu... interrompeu os estudos, perdeu um ano de faculdade porque ele decidiu que ia fazer Direito e ia para São Paulo. Mas ele tinha um outro amigo, não sei se vocês conheceram, se chama Sebastiãozinho? Sebastiãozinho Cortez? Regina: Não. JC: Esse é um engenheiro, não sei onde ele está, é um engenheiro formado pelo ITA de São José dos Campos. E o Sebastiãozinho e ele se davam muito bem. Até eu liguei para o Sebastião e falei: que história é essa, o Sérgio falou que quer vir para São Paulo fazer Direito, será que é isso mesmo que ele quer? Mas foi uma coisa que não teve muita duração não. E ele acabou voltando e retomando os estudos na Faculdade de Medicina, se formou e a partir daí ele foi para Campinas onde ele se tornou... Aí eu não conheço muito bem, eu sei que ele tinha tese e o diretor da faculdade era Zeferino Vaz que já fora diretor de Ribeirão Preto no tempo dele. E o que eu sei é que o Zeferino Vaz procurou dificultar demais a defesa de tese dele. Tanto assim, não sei por que foi, quando marcou a defesa tese marcou em cima, não havia tempo suficiente para imprimir a tese. O Sérgio então me liga lá de Campinas e fala olha, estou com a tese aqui e estou muito preocupado com a ordenação ortográfica e gramatical da tese. E eu falei manda para cá porque eu tenho um advogado que é professor de Português, levei para ele e ele também foi uma nulidade, ele segurou aquilo lá, eu tive que brigar com ele no escritório para retirar a tese. Quando eu cheguei no escritório, o Claudinei Nacaratto de Ribeirão Preto estava trabalhando no meu escritório, ele tinha vindo de Ribeirão Preto, e eu contei para ele, eu fui lá, retirei a tese do escritório do outro fulano e agora não sei para quem dar. Ele falou por que não eu? Eu fui revisor do Estadão e tem a Maria Bacega, não sei se vocês viram, que é professora de Literatura e de Português. Eu sei que o tempo era exíguo e os dois atravessaram, vararam uma noite inteira fazendo a revisão da tese dele. Ele foi defender a tese, eu e minha mulher fomos lá assistir a defesa de tese dele, eu já tinha sido padrinho de casamento dele lá em Batatais com a Anamaria. Então, fui para Campinas assistir a defesa de tese, ele foi aprovado, 10 com louvor... uma outra coisa interessante que lembrei agora, meus pais... meu pai era espírita. Meu pai quando se converteu ao Espiritismo já tinha bastante idade, tinha mais de sessenta anos e ele passou a ser a pessoa mais religiosa de toda minha família; a minha mãe era daquelas católicas que pouco ia à igreja, mas rezava em casa e tal. O Pedro, o primeiro filho dele, nasceu em Campinas e não foi batizado, e minha mãe, mas ele tem que ser batizado. Então, um dia eu e minha mulher pegamos o Pedro e levamos na Catedral de Ribeirão Preto e batizamos, então muitos não sabem disso, acho que nem o Pedro se lembra disso. Então, eu e minha mulher fomos padrinhos de batismo do Pedro. Mas eu fui assistir a tese dele e aí... eu não sei se cronologicamente eu estou me posicionando bem, eu sei que aí houve o Golpe de Estado em 64 e ele e a Anamaria passaram maus bocados, agora eu tive muitos problemas porque além dessa questão do concurso eu era advogado de sindicatos e os sindicatos que eu assistia quase todos eles sofreram intervenção ministerial, mas nós espontaneamente não tínhamos um contato partidário não, nós mesmos começamos a atuar e a reconquistar os sindicatos. Formar chapas para derrubar as interventorias e continuamos mexendo. Então, eu acabei sendo indiciado pela Lei de Segurança Nacional, perdi minhanomeação... eu era advogado do Sindicato dos Motoristas, a diretoria era toda vinculada ao partido, e eu estava em Brasília falando com o Ministro Arnaldo Prieto e o Secretário de Relações do Trabalho era o Carlos Alberto Gomes Chiareli que foi Senador pela Arena na Constituinte, então PDS. E eu recebi um telefonema que o tesoureiro do sindicato José Rodrigues tinha sido preso e tinha sido levado pro DOI-CODI, e eu imediatamente, já tinha saído da audiência com o Ministro e entrei de novo no Ministério do Trabalho e chamei o Chiareli que era meu conhecido; Chiareli na minha frente chamou lá o Coronel que era chefe da segurança, eles falaram: voltem daqui a pouco, vamos tentar fazer um contato. Quando voltei eles disseram: olha, DOI-CODI nem nós aqui conseguimos, eu pedi autorização, fui falar com o Ministro Prieto e ele falou: eu não posso fazer nada, nada, nada. Voltei para São Paulo e aí já passou a ser perigoso, mas de qualquer maneira enfrentamos, enfrentamos até o fim. E aí eu acabei entrando no PPS e fiquei no PPS por algum tempo, mas por causa do Sérgio, porque aquilo já não mais me satisfazia não. E aí quando entrei para a Magistratura, então não havia como continuar na política partidária. E o Sérgio por sua vez ele foi... eu não conheço bem os detalhes, mas ele foi de Campinas para a FIOCRUZ onde ele se realizou politicamente. Eu me lembro que um dia eu fui à casa dele... essa história da FIOCRUZ é muito engraçada também, né? O Sérgio ele assume a FIOCRUZ e me liga e diz assim: olha, a assessoria que eu tenho aqui não sei o que vou fazer com ela. Como que eu posso aceitar essa assessoria que é a mesma assessoria do interventor militar que estava aqui na direção da FIOCRUZ? E eu fui para lá vários e vários sábados e domingos assessorá-lo de graça, claro, né? Não havia remuneração nenhuma. E lá nós víamos lances extraordinários, imagine eu chegar lá e conversar com o Departamento Jurídico da FIOCRUZ, a minha idéia que eu tinha na cabeça era você é funcionário da FIOCRUZ? Mas não, eu consegui conversar com eles todos. Teve um dia que eu cheguei lá na FIOCRUZ e o Sérgio estava com esse almoço trabalho exatamente na Casa Amarela de Osvaldo Cruz e eu sento lá e ele estava conversando com os velhinhos, os cientistas que ele havia reintegrado. Então, eu estou lá almoçando e todos eles conversando, e virou um velhinho pra mim, fala pro seu irmão que eles compraram aqui umas geladeiras e umas coisas e logo ali tem um supermercado e eu fui lá e o preço era a metade do que eles pagaram, então havia essa história toda e o Sérgio falou então vai conversar com a comissão de licitação e eu também fui conversar. Quer dizer, eu me lembro que aquilo lá... o primeiro período que o Sérgio enfrentou sem assessoria, sem nada, foi uma coisa, foi uma aventura muito grande para conseguir colocar aquilo... Outra vez eu vou lá e eles estão recuperando o prédio, né? Então, foi uma coisa muito bonita e eu acho que é esse o depoimento. Regina: Surpreendeu-me, voltando até a Ribeirão Preto, que parece que era uma geração muito idealista. Uma geração em que cada um que a gente conversou, o Claudinei, o Totó, enfim, tinham outros como a Margarida. JC: Eu não conheci, tanto assim que o Claudinei, por exemplo, ele veio para o meu escritório seu eu saber que ele tivera essa ligação com o Sérgio. Tinha uma figura muito interessante, o Costinha, que era um gráfico, que também teve uma atuação muito grande no movimento sindical. Ele foi a Ribeirão Preto e encontrou o Claudinei lá trabalhando em uma banca de revistas, né? Você está aqui, se formou em Direito e está trabalhando nessa banca. Ele chegou ao meu escritório e começou a trabalhar lá e eu nem sabia que ele tinha essa ligação com o Sérgio de Ribeirão Preto. Agora no meu período não, o que havia de juventude era quase nada... Regina: De movimentos? JC: Não tinha nada, no Ginásio do Estado, no Colégio do Estado nós não tínhamos absolutamente nada, de movimento universitário... Agora já no tempo... aí a outra coisa é a seguinte, a Faculdade de Medicina ela teve um significado muito grande para Ribeirão Preto, porque Ribeirão Preto era muito conhecida por duas faculdades excelentes que foram incorporadas, eram particulares e foram incorporadas à Universidade de São Paulo, que era a de Odontologia e Farmácia. Então, o movimento estudantil de Ribeirão Preto era hilário, era farrista, eles tinham a famosa “peruada?, o show acadêmico. Então, o movimento estudantil de Ribeirão Preto ficava descaracterizado por isso, por essas duas faculdades de Odontologia e Farmácia. Agora o Ginásio do Colégio não tinha absolutamente nada, nada de movimento organizado, e eu acredito que isso começou a se organizar com a Faculdade de Medicina. Regina: E nós inclusive fomos lá na União Geral dos Trabalhadores que era um lugar que parecia ter muito efervescência, né? Quer dizer, parece que era um período particularmente muito fértil de idéias, de... JC: Lá em Ribeirão Preto houve assim... eu era muito jovem nesse período. Houve uma importância extraordinária do getulismo. Eu me lembro que teve uma ocasião, eu e um outro colega começamos a freqüentar a Câmara Municipal, não havia muito interesse político da nossa parte não, havia certo interesse jornalístico, nós tínhamos assim uma visão se nós criarmos aqui um comitê de imprensa? Vamos nos oferecer para trabalhar nos jornais e tal. Eu não vou conseguir contar agora, mas olha, tinha da Alimentação, da Construção Civil, do Couro, Ferroviário, já contei quatro, devia ter pelo menos seis dirigentes sindicais, Vereadores de Ribeirão Preto e todos eleitos pelo Partido Trabalhista Brasileiro; comunista só tinha Lepera, só tinha o Luciano Lepera. Quando ele foi eleito a Deputado Estadual aí foi Odali Isalac. Outro advogado de Ribeirão Preto que também foi eleito, e lá a figura importante era o Antônio Girotto que era ligado à UGT, que era a União Geral dos Trabalhadores e também o índio que era ligado à lavoura, eu não vou lembrar do nome dele agora. Regina: Ele era Vereador? JC: Não chegou a ser Vereador não, ele era um agitador. Ele era mais intinerante e muito ligado ao movimento rural. Mas o meu tempo foi marcado dessa forma, não teve assim grande expressão não. Para vocês terem uma idéia o Jânio Quadros... a Via Anhanguera era asfaltada até Piraçununga. Então, eu viajava muito e a Irene ela é de Ribeirão Preto e ela era minha namorada, então eu me lembro que para viajar a minha mãe punha uma toalha sobre a roupa na mala, né? Porque entrava terra, então Piraçununga a Ribeirão era 100 km. de terra. E o Jânio Quadros... Isso tem importância porque foi ele que asfaltou até Ribeirão Preto e se elegeu por Ribeirão Preto. Num comício em Ribeirão Preto ele disse naquele fraseado dele computados meus votos em Ribeirão Preto, quarto colocado fui, fosse mais de quarto quinto ou sexto seria eu. Então, uma coisa mais ou menos assim Naquela época era um domínio do PTB em Ribeirão Preto. Regina: Agora de qualquer maneira essa efervescência de 64, o que a gente percebe nessa trajetória do Arouca é que depois o baque foi muito grande, né? A gente sente um contraste, tanto que algumas pessoas que a gente entrevistou elas não suportaram isso, elas permaneceram em Ribeirão Preto, elas não deram a volta por cima e eu acho talvez que uma singularidade do Arouca, do Sérgio Arouca tenha sido essa força de dar a volta por cima, de reverter... JC: O Sérgio, principalmente no Rio de Janeiro todo mundo me fala assim, Arouca, você não tem jeito de carioca né? Eu sou de Ribeirão Preto. E o teu irmão é carioca? O meu irmão é de Ribeirão Preto, Campinas, Rio de Janeiro. Porque o jeito do meu irmão sempre foi de carioca, uma facilidade para fazer amizades, sempre muito desprendido, o meu irmão... eu tenho uma leve impressão de que quando ele morreu ele não tinha casa e nem carro, porque a casa de Santa Teresa ficou com os filhos e aí ele comprou aquele sítio lá de Saquarema que eu não fui até hoje. E então, para ele esses bens materiais nunca tiveram significado, e o meu contato com ele depois de muito tempo no Rio foi muito por telefone. Na Nicarágua eu era o municiador dele de música na Nicarágua. Então, eu era... a Sarah que escrevia, ele não se lembrava de data eu que às vezes ligava para ele ô, Sérgio, amanhã é dia do aniversário da tua mãe, se você não ligar para ela... Então a Sarah que era a agenda dele, a Sarah que fazia a agenda dele, essas coisas não passavam muito pela cabeça dele, né? Regina: E ele... você estava falando que seu pai era espírita e ele teve alguma ligação com o Espiritismo ou alguma religião, nada? JC: Nenhuma, nenhuma. Regina: Mas de qualquer modo era bem desprendido dos bens materiais? JC: Totalmente, acho que nunca se preocupou com essas coisas. Regina: Agora coisas mais pessoais de irmão, né? Você já falou como era um pouco a diferença de idade de vocês e tudo, mas como era o trato entre vocês assim, era uma coisa boa e agradável? JC: Eu fui muito amigo do meu irmão até ele morrer. Como regra... eu tenho uma casinha de madeira lá em Campos de Jordão. Então, o Natal eles costumavam passar lá e ia a família toda para lá. Então, sempre houve entre nós uma ligação de amizade. Guilherme: Essa relação com o PCB, pelo que a gente conseguiu levantar o Arouca entra no PCB com mais ou menos dezesseis anos de idade. JC: Eu estava em São Paulo... eu? me lembro até do local ali perto da Líbero Badaró, ele ia para São Paulo e nós conversamos e eu passei para ele a visão que eu tinha sobre o Partido Comunista. Eu tinha muitas restrições naquela parte Stalinista, não era só de Stalin, mas aquelas coisas de mandonismo, de centralismo, e eu falei olha isso tem sido para nós uma coisa muito decepcionante, muito decepcionante. Eu volto e meia, amigos e colegas querem conhecer e eu tenho até receio de levá-los porque eles vão lá e ficam até apavorados com o tratamento. E eu lembro disso, foi praticamente o vestibular dele, uma conversa muito longa, nós estávamos andando por São Paulo e conversamos sobre isso. Então, isso deve ter sido por volta de 1957, 56, que foi quando ele entrou. Regina: Você então entrou antes? JC: Eu entrei praticamente em 55. Regina: Agora é curioso que uma pessoa como o Sérgio Arouca que não tinha... me parece que ele não era muito de aceitar essas imposições e essas visões de cima, o centralismo democrático, aquelas... como era isso dentro do partido? Porque é uma pessoa aparentemente pelo o que a gente está vendo muito maleável, muito plástica, muito flexível. JC: Era uma coisa terrível, era uma coisa que realmente quando eu atuei no movimento estudantil, era assim que eu não aceitava uma pessoa que não conhecia absolutamente nada e dar palpite e havia muito a questão crítica. Havia no movimento estudantil, havia um moralismo terrível. Então, a Faculdade de Direito tinha características extraordinárias, não era Arquitetura; a Arquitetura ela primava pela politização, pelo espírito assim artístico e cultural e a Faculdade de Direito, nela predominava o que a gente chamava o grupo da canhalha, o movimento do pessoal mais descomprometido, mais farrista, que tinha uma importância política muito grande, essa que era a verdade. Então, uma assembléia... aquelas assembléias que saía fogo na assembléia, eu ia para lá e pegava o microfone, eu vim aqui falar em nome dos comunistas e isso significava... eu levei o Prestes para fazer uma palestra na Faculdade. Eu exibi o Encouraçado Potenkin e Gama e Silva por telefone falando: olha, nós vamos suspender vocês, se vocês exibirem o filme estão suspensos da Faculdade. Então, tá bom suspensos, tá bom, então nós não vamos exibir; eu fui treinar na máquina de projeção para passar. Então havia toda essa... havia uma reunião que eles diziam assim: bom, em primeiro lugar queria fazer uma crítica ao Arouca. Essa ligação do Arouca com a canalha não pode continuar, o Arouca vive ligado a eles. Mas, se eu não fizer isso eu nem posso falar na assembléia, tinha uma fotografia, eu com o microfone aqui assim e o pessoal querendo tirar o microfone de mim. Quando eu levei o Prestes para lá para fazer essa... Regina: Mais ou menos em que ano? JC: 59. O último ano meu. Não foi só o Prestes, foi também o Plínio Salgado, foi uma coisa... foi um presidente... o melhor presidente que o XI teve naquele tempo, o Luís Carlos Methiol, que hoje está em Brasília, grande advogado lá em Brasília. Tiveram que fazer um acordo. A segurança do Prestes não entrou e tinha lá a honra da canalha que ele quem tem revólver aí? Ele pôs a arma aqui e falou: então deixa que eu tomo conta do Velho. Você se responsabiliza? Pode deixar, vamos tocar isso pra frente. Era assim... Quando ia terminar a reunião, todos embolados na porta, tem isso, tem aquilo, um jornalzinho, um livrozinho, uma porção de bobagem, mas tem esse congresso. Aí falavam, Arouca, você toma cuidado, você não pode... mas vamos dar carta branca para o Arouca. A carta branca para fazer as alianças possíveis porque naquela época a política universitária tinha uma unidade com três vertentes que eram: os comunistas, os chamados nacionalistas e os católicos ligados aos dominicanos que eram os católicos progressistas, a outra ala que era dos católicos ligados aos jesuítas que era a JUC e toda a chamada direita, e nós cansamos de perder congresso para eles também que na época a gente chamava de “Centrão?. Então, era uma participação política muito difícil, eu morei na Casa do Estudante durante cinco anos. Regina: Em São Paulo? JC: Em São Paulo, era uma casa do Centro Acadêmico, Casa do Estudante só da Faculdade de Direito. Eu me lembro que uma vez num congresso que foi realizado na Faculdade de Medicina, Dr. Arnaldo, eu acabei indo para casa e daqui a pouco tocam na porta, isso deveria ser umas quatro horas da manhã, quatro não, duas horas da manhã, abro a porta era o Rui Otake, era colega do Paulo Bastos. Então, assim a política participativa, não era a política teórica, a política assim simplesmente iluminista, era uma política de ação, exigia posições assim tomadas ali na hora. Nós fomos pro Rio de Janeiro na Universidade Rural, então vou lá eu e José Oscar, tinha que ali resolver o problema, e o problema era ganhar a eleição. Regina: Então, quer dizer, na prática aquela teoria toda que se aprendia, a política do partido não... JC: No fim todos nós tínhamos carta branca, nós tínhamos carta branca. Outra coisa, de qualquer maneira com isso nós éramos muito respeitados, nossa participação ela sempre pleiteava pela lealdade e pela coragem, nós íamos para tudo e para qualquer coisa e isso também se revelou no movimento sindical. No movimento sindical porque esse pedaço que eu peguei até 64... eu falei do Tenório, né? O Tenório, então eu vou lá, ele era presidente do Sindicato dos Trabalhadores que a gente chamava “Café com Leite?, Sindicato da Indústria de Laticínios, Café e Açúcar. Aí o Tenório se elege presidente da Federação dos Trabalhadores da Alimentação de todo o estado, e depois para o Comando Geral dos Trabalhadores. Através do Tenório, então eu consegui uma projeção já muito maior que até então, eu no sindicato... como advogado do sindicato era... fazia a reclamação trabalhista, fazia audiência, fazia recurso e quando eu começo a trabalhar com a Federação da Alimentação aí eu já passo a ir para congresso, para fazer teses, ter uma participação mais dinâmica. Aí também foi marcadamente política a minha participação, e da mesma forma os sindicatos naquela época, esses sindicatos que nós assistíamos, havia uma catalogação que era dos sindicatos pelegos (ligados ao patrão), oficialistas ligados ao Ministério do Trabalho e os imobilistas que não faziam nada. E o nosso grupo era chamado de sindicato dos autênticos. Você pega o Lousada, ele morreu agora há duas semanas atrás, morava em uma casinha simples; o tesoureiro da Federação da Alimentação, Romildo Chaparen, houve a intervenção do sindicato com a Federação e ele foi trabalhar na feira, não era uma banca de feira não. Ele apanhava duas malas, colocava no chão e vendia lá alguma tranqueira. Regina: Muito diferente dos tesoureiros de hoje em dia, né? Ah! Ah! Ah! [pausa] Do seu ponto de vista como foi o processo pós-64, quando começa a ter aquelas divisões com o pessoal da luta armada? JC: A nossa visão e aqui para nós o movimento... eu conheci grandes definições, mas para nós, tínhamos que reconquistar em primeiro lugar as posições perdidas. Nós considerávamos logo assim na avaliação que nós tínhamos nos iludido demais. Eu me lembro daquela famosa frase do Prestes Nós não estamos ainda no poder, mas estamos chegando a ele. Outro que morreu agora também há duas ou três semanas atrás foi o Lindolfo, que foi o primeiro presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura ele que fundou aquela União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas. Aqui assim sem saber se eu estava surpreso ou entusiasmado, o discurso que ele faz, né? Era mais ou menos isso: chegamos ao poder. Então, para nós a avaliação foi essa, que foi uma ilusão, mas que não fazia mal, porque nós tínhamos, antes de tudo, que recuperar o que tínhamos perdido. Agora recuperar o tempo perdido quer dizer voltar ao passado. Ir para frente para nós não era aventura, para nós era suicídio e era o que nós chamávamos também de um pouco de falta de racionalização e visão lógica, era que nem agora querer enfrentar os Estados Unidos. Eu me lembro daquele filme americano extraordinário “O Rato que Ruge?, a história de um país que declarou guerra aos Estados Unidos e ganhou. Então, isso para nós... a nossa visão sempre foi essa. Então, eu respeitava muito aqui alguns colegas, mas eu não via esse caminho de jeito nenhum porque você pega aí a literatura que nós temos, a literatura que está sendo produzida de reconstrução da história de que foi de fato... todos eles admitem que foi um engano e que foi um erro de visão e que causou... custou muito caro. Custou muito caro porque isso aguçou a repressão. Regina: E todas essas concepções políticas, você conversava muito com o Sérgio sobre isso? Trocava... JC: Muito, muito, muito. E nessa parte eu acho que havia uma igualdade de concepções, de pensamentos. Fabricio: O Sérgio nunca manifestou nenhum descontentamento com a política do partido? JC: Ah, sim. Fabricio: Isso não só com a política, e com a estrutura do partido, que a Regina perguntou se ele sentia bem e integrado com o centralismo democrático, se ele se entendia bem com aquela estrutura, né? JC: Olha, o Sérgio não pegou o stalinismo, eu peguei o resto do stalinismo. O Sérgio não pegou o prestismo, o Sérgio pegou ou quase vamos dizer assim a Perestroika, inclusive a bancada dele, o Freire, o Augusto e ele. Ele... eu fiz vários projetos para ele, todos eles, na área trabalhista e na área sindical, ele tinha uma ampla liberdade como tinha o Augusto. Então, nessa parte depois, pelo menos depois que ele foi eleito deputado eu acho que ele teve assim uma liberdade muito grande de atuação. Eu vejo isso, por exemplo, O Malina, ele não tinha como segurar mais porque o partido... o partido começou a ficar que nem o chamado MR8, né? De MR8 ele passou a ser MR4, MR2, MR nada e toda hora estava havendo defecções no partido. Então, quando houve a Perestroika houve uma grande... e quando houve PPS, então aí foi pro beleléu. Aí quando começa ver quem está entrando no PPS. O Chiquinho dos padeiros, presidente do Sindicato dos Padeiros. Então, eu ligo para ele e digo assim: Chiquinho, eu voto em quem? Não tem ninguém, não tem em quem votar. Então não dá, né? Guilherme: E a impressão que a gente tem de certa forma e você acompanhou tudo de perto, a militância do Arouca dentro do PPS tem aspectos muito ruins para ele. JC: Do Rio particularmente. O Freire, por exemplo, o Freire... o Geraldão do Rio de Janeiro quando está na Assembléia Constituinte, o Geraldão vem aqui me procurar... o Geraldão eu tive muito contato com ele aqui em São Paulo. Ele vem e diz assim: eu acho que é uma oportunidade da gente fazer uma coisa que vai... (isso daí é dele, veja só) que vai nos dar uma força extraordinária na Assembléia Constituinte. Então, eu estou pensando o seguinte, paralelo à Assembléia nós fazemos uma Assembléia do movimento sindical. Veja que coisa extraordinária! E o movimento sindical, ele apresentava o que ele quer na Assembléia Constituinte, assim a toque de caixa trabalhando doze horas por dia nisso, e os programas, os princípios, o regimento e tal, não aconteceu nada. Aí eu já era juiz, não posso mais ter atuação política e partidária, mas eu vou fazer... fiz duas, uma em Brasília pro Encontro Nacional e outra aqui em São Paulo que era Nacional também, fiz duas. As duas eu falei sobre a reforma da legislação sindical, o Freire estava na de Brasília, ele falou: Arouca, você está lembrado da constituinte sindical? Eu falei assim estou. Vamos repensar isso? Eu falei Freire, vou já procurar meus arquivos. Eu não achei nada porque naquela época não tinha computador, então não sei, mas eu faço, eu faço de novo. Não deu em nada... Agora eu vou... recentemente eu vou a Brasília e fui fazer uma palestra pra uma associação de servidores públicos e o presidente, ligado ao PPS, e quem foi me pegar, agora eu não me lembro o nome que tem cabelo branco e um rabo de cavalo aqui, lá em Brasília acho que é Valdir ou uma coisa assim, ele que foi me pegar no aeroporto. Então... essa idéia é extraordinária, vocês não têm hoje o movimento estudantil, vocês não têm juventude, vocês não têm sindicato, vocês não têm intelectual, não têm nada e eu não sei o que vocês estão fazendo. Ele falou pôxa, Arouca, Nós só temos o Magrão na Câmara dos Deputados, e a gente vai falar com ele e ele diz assim: primeiro eu preciso consultar a Força Sindical para ver o que ela acha. Então, não é mais um partido de trabalhadores, um partido organizado. Bom, agora eu fui fazer uma palestra aqui na Praia Grande para a Federação dos Comerciários, fui eu e aquele professor da Faculdade de Direito, Amauri Mascaro, que também foi juiz do Trabalho, e ele coloca exatamente isso, vocês estão discutindo essa reforma sindical polêmica, incompleta, mal feita, mal discutida. Por quê? Por que não pensar numa Assembléia Constituinte sindical? Os sindicatos, o que os trabalhadores querem pra uma reforma sindical. Então, isso tudo me lembra uma participação do Sérgio... mas ele me contava... É Caruso aquele cara do Rio de Janeiro? Guilherme: Paulo Caruso. JC: Ele só não perdeu... E outra, o Freire não o apoiou, o Freire tinha outros candidatos lá pro lugar do Sérgio. Então, era aquilo... o meu professor de Direito do Trabalho tornou-se nome internacional, era um negro, de família humilde, Cesarino Júnior, e ele se tornou uma figura internacional porque ele construiu um Direito do Trabalho voltado para o trabalhador. Uma frase dele que ficou na história foi assim: O Direito do trabalho foi feito para proteger o trabalhador contra o empregador, contra o Estado e contra ele próprio. Quer dizer, é aquela história, eu não quero serregistrado, não quero pagar INSS. Ah, vai pagar sim, vou proteger você... Então, uma das características do Sérgio foi essa dele fazer contra apesar dos outros serem contra ele. Não é por causa disso que eu vou me decepcionar, que eu vou parar, eu vou continuar da mesma forma, ele teve muito disso. Eu conversava muito com ele... eu me lembro que uma vez eu cheguei na casa dele, ele ainda não era deputado, não sei quem tinha feito uma caricatura com Sérgio em tal ano, era uma coisa assim, já estava propenso a disputar a Câmara dos Deputados. Guilherme: Eu acho que foi o Ziraldo. Agora do ponto de vista da família, do olhar da família, que a gente... O que motivou todo o nosso trabalho, foi assim uma contribuição extraordinária do Sérgio Arouca, enquanto um homem público para a questão da saúde pública. Quer dizer, apesar das várias facetas dele eu acho que a formação política do Arouca ajudou muito a ele a traçar a rota dele e tudo. Apesar de ter sido deputado, na verdade ele deixa um grande legado no aspecto da saúde pública, né? Você como irmão e a família como um todo, vocês conseguem perceber isso? Vocês conseguiram? Porque a impressão que a gente teve, com o grupo lá de Ribeirão é que o Arouca fazia coisas como você falou, não tinha uma conexão muito... aquela coisa do dia a dia e tudo. Então, como que é isso? Porque quanto mais esse nosso trabalho evolui e quanto mais a gente entra em contato com a produção acadêmica do Arouca e particularmente com a tese que ele estava fazendo em Campinas e toda a contribuição que ele teve com a saúde pública é uma história assim muito impressionante. E vocês têm isso assim dentro de vocês? JC: Eu tenho, meus filhos têm, houve duas oportunidades quando foi inaugurado lá em Ribeirão Preto, lá foram duas vezes, primeiro quando a Câmara aprovou aquele projeto, e segundo na inauguração quando o Lula foi lá. E aqui em São Paulo que foi inaugurado também um centro de saúde... Pelo que eu senti, a família, os primos, os tios ficaram muito orgulhosos. Agora, em dois livros que eu tenho, já publicados... eu digo o seguinte, que há dois versos muito bonitos na Constituição. Um é aquele que está no parágrafo único do artigo segundo ou terceiro que diz: todo poder emana do povo... O outro é aquele: a saúde é dever do estado e direito do cidadão. Quer dizer, o Sérgio alcançou aquilo e foram pouquíssimos os que tiveram, que ocuparam a tribuna da Assembléia Constituinte não como parlamentar, mas como voz do povo. E isso se deveu a ele. É claro que não a ele exclusivamente, foi de todo um movimento de médicos e servidores da saúde que o escolheram para ser o porta-voz. Mas isso pra mim tem um significado muito extraordinário, extraordinário mesmo. Eu acho que chega a ser poético... Agora, então vamos ver, meus filhos tem formação... eu tenho três filhos... nenhum deles chegou perto do PC, foram simpatizantes (não a essa situação de agora) até há pouco tempo do PT. Eles sabem, eles têm uma formação política e sabem dessa participação do Sérgio. Agora a família sabe que ele foi isso, deputado, um grande sanitarista, que ele foi homenageado. Lá em Ribeirão Preto, que lá ele deu nome pra uma rua... Esse coisa de dar nome pra rua, eu odeio... Gostam muito, gostam muito dele. Regina: Do seu ponto de vista qual é o legado do Sérgio? JC: Eu não sei, eu acho que foi em uma daquelas homenagens que prestaram a ele que fizeram aquele quadro grande com aquela fotografia dele e que ele disse que muito mais do que a política ele se empenhou pela saúde pública. Então essa é a grande marca dele. Mas ela não deixa de ser política. Porque às vezes eu me pergunto o seguinte: mas advocacia sindical... é tão chata. Perdeu eleição, o dentista e o médico continuam o trabalho deles normalmente e os advogados são todos mandados embora. Porque o advogado está sempre de certo modo vinculado à diretoria. A troco de que trabalhar pra sindicato? Mas trabalhar pra sindicato tinha também uma conotação política. Hoje não tem mais! Eu acabei, com 40 anos de advocacia... eu acabei no fim sendo o diretor dos departamentos jurídicos dos sindicatos onde eu trabalhava. E que começaram a crescer muito. Eu tenho uma fotografia extraordinária numa greve da construção civil, nós não tínhamos advogado chefe, mas uma figura que era do partido, o Ênio Sandoval Peixoto (uma figura extraordinária, histórica) era o mais velho, então era o mais respeitado. Então essa fotografia era numa mesa redonda do Ministério do Trabalho e na mesa, pegando o lado que era a bancada dos trabalhadores estavam: os dirigentes e o Ênio sentado ao lado deles. E nós todos atrás. Então naquele tempo tinha uma greve na construção civil não precisava convocar, todos os advogados iam pra lá porque sabiam que aquilo era parte da atuação política deles. Então quando eu chego na direção do Jurídico eu começo a ver os advogados burocratas. Excelentes advogados, mas ele dizia assim: meu plantão já terminou, eu não posso fazer isso não. Então virou esse tipo de advogado burocratizado. Para ele tanto faz defender patrão como defender trabalhador. Então a advocacia sindical tinha naquela época... que eu acho que não tenha mais, inclusive porque os sindicatos seguindo o modelo neoliberal começaram a terceirizar os departamentos jurídicos e mandaram embora os advogados que passaram para os escritórios de advocacia. Então eu acho que a atuação do Sérgio foi muito mais na saúde pública do que como parlamentar. Mas na saúde pública a participação dele foi fundamentalmente política. Regina: O que a gente percebe é que ele partiu da medicina pra fazer política. Quando ele faz aquela opção de que não quer fazer direito e vai fazer medicina, mas é a medicina com um olhar da política. Quer dizer, transformar as coisas, sempre tentando a transformação. JC: Talvez indiretamente o que ele via em mim era muito isso. Eu era um estudante de Direito que fazia política intensamente. Na Casa do Estudante era político, no restaurante... nós fazíamos coisas assim incríveis. Então esses trabalhos pesados repercutiam toda vida. Regina: Agora tem um outro aspecto... o Sérgio Arouca era uma pessoa muito bem humorada, né? Você teria casos engraçados que você se lembre da história de vocês? JC: Não me lembro não, não me lembro... |
Abertura | Apresentação | Equipe
Contexto Sócio-Político | Fases da Trajetória | Cronologia | Depoimentos
Relatórios Finais da Pesquisa | Desdobramentos da Pesquisa | Bibliografia